Grande Consumo N.º 91

dá que pensar

N 91

Edição 20 anos. Nova de novo.

6 €

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pes soas e para pessoas, onde os negócios, os proje- tos, as estratégias, em suma, o talento e o mérito, sempre o mérito e sempre as pessoas, têm lugar e cabimento. Uma revista onde a pluralidade de opi- niões, como se verifica nesta edição, tem sempre lu - gar, e por muito contraditórias entre si que possam ser, onde as boas histórias, o empreendedorismo, a iniciativa e o sonho, porque não, têm lugar. Chegamos aos 20 anos com uma revista com um layout renovado, contemporâneo, adulto, estamos, necessariamente, mais maduros, espero que tam- bém mais sábios, já que conscientes estamos sem sombra de dúvida (e hoje as revistas em papel pare- cem uma memória distante do jornalismo). Do caminho que nos espera e onde iremos conti- nuar a ser isentos, idóneos, credíveis, convergentes, trabalhadores, inconformados, ambiciosos, mas, sobretudo, sonhadores. Se não sonhasse, não esta - ríamos “aqui” hoje, acreditem. E se fizesse caso ao que nos dizem, também. E sonho, cada vez mais. Afinal, tenho bons motivos para o fazer, os melho - res até. A Grande Consumo não é a revista do Bruno. É a revista da Carina, da Bárbara, do Rui, da Fátima, da Ana, da Joana, do Emílio, do Carlos, da Teresa, da Sara e da Raquel, perfeitos anónimos para mui - tos, mas que, em conjunto, fazem o seu melhor para levar o que de melhor temos a oferecer a cada dois meses de publicação física. Muito há a dizer, mui - to fica, necessariamente, por dizer, razão pela qual caminhamos para ser uma plataforma de jornalis- mo económico 360º. Amantes irredutíveis do toque do papel e do cheiro da tinta, não vivemos isolados do mundo digital em que evoluímos presentemente e onde também queremos estar convosco, a infor- mar-vos com igual rigor e qualidade, seja qual for o canal ou suporte onde nos honrem com a vossa preferência. Diversos canais, a mesma qualidade e ambição. Somos a publicação especializada que tantos de vós fizeram de nós. Fontes, amigos, parcei - ros, clientes, stakeholders , detratores (sim, também são fundamentais), todos eles desempenharam um papel nuclear neste percurso. Às dúvidas de alguns sobrepõe-se a obra feita. Não vos vou maçar a dizer o quanto o percurso foi (é!) difícil, prefiro, antes, e para fechar, partilhar convosco o profundo orgulho que tenho em liderar este projeto, de ter tido a possibilidade de contar com a inigualável equipa da Wonder\Why a assinar o rebranding que trazemos até vós (Filipa, Ricardo, Afonso, as palavras são demasiado modestas para catalogar o que sinto) e que, de forma inexplicável, sinto que este 20 anos são apenas o início de um ca - minho que, esse sim, não sei onde nos poderá le - var. Afinal, há sempre um amanhã para conquistar e estes 20 anos de mercado têm muito para contar. A viagem começa hoje (de novo). Esperem que des- frutem tanta dela como eu.

Editorial BRUNO FARIAS brunofarias@grandeconsumo.com

A folha em branco parece chamar-me em surdi- na. Chegou o momento de escrever o editorial da edição que assinala o ano de celebração do nosso 20.º aniversário. As dúvidas assaltam-me com uma velocidade desconcertante, sucedem-se a um rit- mo vertiginoso e numa desordem pouco habitual na minha cabeça. Afinal, 20 anos não são 20 dias. São, antes pelo contrário, demasiados sentimentos, sensações, sonhos, esperanças, desilusões, ideias e muitas outras expressões igualmente adequadas que não cabem neste curto espaço de reflexão. Ainda assim, permitem que haja um sentimento que emerge de forma sóbria de entre o ruído. Não cabe a este humilde escriba reclamar a autoria do mesmo, mas não hesito na hora de o aplicar, pois, afinal, representa o turbilhão que vai dentro de mim. “Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam” . O seu autor é o imortal José Saramago e o mes- mo resume um espaço muito próprio na alma onde nada parece entrar. Nada mais apropriado para vos dizer que intocados continuam os valores que fa - zem da Grande Consumo a revista de jornalismo económico que hoje é. Como em tantas ocasiões pude partilhar convosco, somos uma revista de

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equipa

índice

06 notícias do mundo 10 opinião REBRANDING DA GRANDE CONSUMO: UMA REVISTA QUE SE ENCONTROU 12 mercado 2005: UM ANO QUE MUDOU RUMOS 18 opinião 20 ANOS DE INOVAÇÃO: O QUE NÃO SABÍAMOS EM 2005 20 tema de capa “SE ALGUMA COISA APRENDI, NESTES 20 ANOS, É QUE É IMPOSSÍVEL PREVER AS DINÂMICAS DO RETALHO” 28 retalho PAGAMENTOS MAIS RÁPIDOS E CONVENIENTES Os pagamentos através do sistema self-checkout já representam um terço das compras nos supermercados onde esta tecnologia está disponível 34 branded content JORDÃO: LEGADO DESAFIADO PELA INOVAÇÃO E VISÃO DE FUTURO

DIRETOR BRUNO FARIAS brunofarias@grandeconsumo.com CHEFE DE REDAÇÃO CARINA RODRIGUES carinarodrigues@grandeconsumo.com COLABORADORES BÁRBARA SOUSA barbarasousa@grandeconsumo.com CAROLINA LOUREIRO carolinaloureiro@grandeconsumo.com FÁTIMA DE SOUSA fatimasousa@grandeconsumo.com RUI OLIVEIRA MARQUES ruioliveiramarques@grandeconsumo.com DEPARTAMENTO GRÁFICO CARLOS ASCENÇÃO carlosascensao@grandeconsumo.com DIREÇÃO DE COMUNICAÇÃO E DE MARKETING JOANA SAMPAIO joanasampaio@grandeconsumo.com DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO ANA TINOCO anatinoco@grandeconsumo.com DEPARTAMENTO COMERCIAL geral@grandeconsumo.com 218 208 793 PROPRIEDADE/EDITOR CARINA INÊS ROCHA RODRIGUES

NACIONALIDADE – Portuguesa Avenida do Parque, N.º 65 R/C B, 2635-609 Rio de Mouro N.º REGISTO NA E.R.C. – 125 837 DEPÓSITO LEGAL – 306507/10 REDAÇÃO Avenida do Parque N.º 65 A, 2635-609 Rio de Mouro

IMPRESSÃO Yellowmaster, S.A. Avenida João Azevedo Coutinho, N.º 643 2775-101 Parede TIRAGEM MÉDIA – 5.000 Exemplares PERIODICIDADE – Bimestral ESTATUTO EDITORIAL EM grandeconsumo.com/estatuto-editorial/

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36 opinião PEQUENO INVENTÁRIO DA DISTRIBUIÇÃO 38 entrevista

82 alimentar O VEGGIE MARCA 86 alimentar CAMINHO SUSTENTÁVEL

110 branded content WORLD RETAIL CONGRESS 2025 Pensamentos sobre o futuro do retalho no mercado desportivo

116 opinião

“PARA A SEMANA TEMOS DE ESTAR CÁ” A resiliência que moldou o KuantoKusta 48 mercado OS NOVOS AGENTES DE TRANSFORMAÇÃO DO PAÍS 54 mercado DESTINO: PORTUGAL 60 opinião A GRANDE TENDÊNCIA DO COMÉRCIO EM 2025: O VALOR HUMANO! 62 mercado PREPARAR HOJE PARA SUPERAR AMANHÃ 70 mercado RESILIÊNCIA CONDICIONADA 72 alimentar DO RETALHO AO FORA DO LAR A Danone está a reforçar a sua estratégia e a expandir a presença no canal Away from Home 78 alimentar A REVOLUÇÃO (ALIMENTAR) É VERDE?

88 opinião INOVAÇÃO: MAIS DO QUE NUNCA, A ESSÊNCIA PARA O FUTURO 90 alimentar RAR: UM REBRANDING PARA O FUTURO 94 alimentar “QUISEMOS TRAZER SIMPLICIDADE. QUISEMOS TRAZER MAIS AÇORES” 100 opinião DUAS DÉCADAS DE MUDANÇA DOS HÁBITOS DE CONSUMO 102 entrevista “A SALSA CONTINUA COM MUITA VONTADE DE CRESCER”

CONSTRUINDO ECOSSISTEMAS DIGITALMENTE CONECTADOS: O FUTURO DO RETALHO 118 bebidas UM REBRANDING PARA POTENCIAR A PERCEÇÃO DE VALOR 122 entrevista “O LEGADO NÃO É APENAS O QUE CONSEGUIMOS REALIZAR NO PRESENTE, MAS O IMPACTO POSITIVO QUE DEIXAMOS PARA O FUTURO” 132 opinião INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NO RETALHO A estória do Génio da Lâmpada ou da Carochinha?

134 entrevista

“O .PT FUNCIONA COMO UM SELO DE ORIGEM, UM INDICADOR CLARO DE QUE A MARCA VEM DE PORTUGAL” 140 logística A LOGÍSTICA DE FRIO NA ERA DIGITAL 144 mercado O ANO DOS GRANDES ANIVERSÁRIOS

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Notícias do Mundo

reino unido (GB) Aldi testa cobrança de 12 euros para entrar em loja A cadeia de supermercados Aldi está a testar um novo sistema de pré- pagamento numa das suas lojas em Greenwich, Londres, uma medida que tem gerado debate sobre o futuro das compras presenciais. Neste projeto-piloto, os clientes devem pagar 10 libras (cerca de 12 euros) para poderem entrar no estabelecimento. O valor é, depois, deduzido ao montante final das compras ou reembolsado caso nada seja adquirido. O objetivo desta iniciativa é duplo: por um lado, otimizar a experiência de compra, evitando aglomerações e filas desnecessárias; por outro, incentivar um consumo mais consciente, ao introduzir uma barreira inicial que faz os clientes refletirem sobre as suas compras antes mesmo de entrarem na loja. A loja em questão opera sob o conceito Shop & Go, onde não existem caixas tradicionais. A tecnologia por detrás deste modelo utiliza câmaras de vigilância e scanners com inteligência artificial, permitindo que os clientes recolham os produtos desejados e abandonem a loja sem necessidade de passar por uma caixa. As compras são automaticamente registadas e faturadas através de uma aplicação, na qual o cliente também gera um código QR para ter acesso à loja. portugal (PT) Mercadona abre 10 novas lojas em 2025 e chega à cidade de Lisboa A Mercadona vai abrir, em 2025, 10 novos supermercados em Portugal para dar continuidade ao seu plano de expansão. Até ao momento, a Mercadona já conta com 60 lojas abertas e dois blocos logísticos a funcionar na Póvoa de Varzim e em Almeirim. Com estas aberturas, vai terminar o ano com 70 lojas em território nacional. Loures (Santa Iria de Azóia e Frielas), Penafiel (Milhundos), Fafe, Leiria (Vale Sepal), Matosinhos (São Gens), Palmela, Lisboa (Alta de Lisboa e Quinta do Lambert) e Porto (Amial) são as novas lojas Mercadona previstas para 2025. A primeira abertura terá lugar em Santa Iria de Azóia, estreando-se no concelho de Loures. Este plano confirma que é em 2025 que a Mercadona chega à cidade de Lisboa, onde prevê abrir duas lojas. Uma das lojas, na Alta de Lisboa, vai acolher também um novo escritório corporativo da empresa, que complementará o de Vila Nova de Gaia, onde tem a sua sede em Portugal. A segunda loja estará localizada na Quinta do Lambert, no Lumiar.

estados unidos (US) Acionistas da Apple rejeitam proposta para eliminar programas de diversidade Numa decisão que reforça o seu compromisso com a diversidade e inclusão, os acionistas da Apple rejeitaram uma proposta que visava eliminar os programas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI) da empresa. A proposta, apresentada pelo National Center for Public Policy Research, um think tank conservador, instava a Apple a seguir o exemplo de outras grandes empresas que têm recuado nestas iniciativas, atualmente sob escrutínio da administração de Donald Trump. Durante a reunião anual de acionistas, a administração da Apple recomendou veementemente a rejeição da proposta, argumentando que os seus programas de DEI são fundamentais para a cultura e sucesso contínuo da empresa. Após uma breve apresentação da proposta, a Apple anunciou que os acionistas a tinham rejeitado. A Associated Press destaca que 97% dos votos foi contra, sublinhando o forte apoio dos acionistas às iniciativas de diversidade da empresa.

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alemanha (DE) C&A encerra fábrica de inovação têxtil na Alemanha por falta de rentabilidade O grupo de retalho de moda C&A anunciou que vai encerrar a sua fábrica de jeans em Mönchengladbach, na Alemanha. A fábrica, oficialmente designada por Fábrica de Inovação Têxtil (FIT), abriu as suas portas no outono de 2021 para testar e desenvolver métodos de produção novos e sustentáveis. O projeto, conduzido pela Universidade de Ciências Aplicadas do Baixo Reno (Hochschule Niederrhein), pela Academia Têxtil da Renânia do Norte- Vestefália (Textilakademie NRW) e pela Universidade Técnica de Aachen (Rwth Aachen University), empregou cerca de 100 pessoas. A fábrica, que começou por produzir calças de ganga utilizando técnicas sustentáveis, tinha por objetivo verificar se este modelo de produção na Europa podia reduzir os custos e, ao mesmo tempo, aumentar os volumes de produção. Na sequência dos resultados, a empresa de moda holandesa decidiu interromper a atividade da fábrica FIT por não ser rentável. itália (IT) Amazon abre loja física de beleza e parafarmácia no centro de Milão A Amazon inaugurou sua primeira loja física em Itália, que também é a sua primeira na Europa continental. Sob a insígnia Amazon Parafarmacia & Beauty, oferece uma seleção de produtos de beleza e cuidados A iniciativa, conforme indicado pela empresa em comunicado, visa ampliar e complementar a oferta online de produtos desta categoria na Europa. A loja abriu portas ao público dia 12 de fevereiro, na Piazzale Cadorna. “Projetámos esta loja para nos aproximarmos, ainda mais, dos nossos clientes e oferecer uma experiência inovadora, combinando tecnologia de ponta com consultoria especializada ”, comenta Giorgio Busnelli, vice- presidente de Bens de Consumo da Amazon na Europa. A seleção de produtos disponível na Amazon Parafarmacia & Beauty será progressivamente introduzida, ao longo do ano, nas lojas online da Alemanha, França, Itália, Espanha e Reino Unido. Dessa forma, a Amazon proporcionará aos clientes acesso pessoais, além de serviços e consultoria de especialistas. a uma gama ainda mais ampla de produtos de beleza, atendendo a diversas preferências e necessidades.

eslováquia (SK) Biedronka internacionaliza-se: abre na Eslováquia em março A Biedronka abre a sua primeira loja e centro de distribuição na Eslováquia. Em declarações à Grande Consumo, fonte da Jerónimo Martins adiantou que este é “o primeiro passo de internacionalização dado por uma insígnia de retalho alimentar” do grupo. A operação é liderada por Maciej Lukowski, que assumiu, em 2023, o cargo de CEO da Biedronka no país, depois de sete anos como chief commercial officer e chief financial officer na Polónia. Numa conferência de imprensa em Varsóvia, deu conta de que o foco inicial será em cidades de pequena e média dimensão, sendo Bratislava, a capital, a etapa seguinte. A abertura das primeiras lojas Biedronka na Eslováquia esteve prevista para finais de 2024, tendo sido então anunciadas como localizações as cidades de Levice, Nové Zámky, Považská Bystrica, Senica and Zvolen. A internacionalização da Biedronka acontece no ano em que comemora três décadas de operação.

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Lançar projetos é fácil, difícil é dar-lhes continuidade, dizia o designer Stefan Sagmeister. Sobretudo em jornalismo eco- nómico que está na ordem do dia. Ou na ordem do século. A urgência é cada vez maior de ter mais e melhor jornalismo. A Grande Consumo (GC) existe de forma contínua há 20 anos. Começou em 2005, no tempo em que as revistas trade viviam na “cave” do edifício do “grande jornalismo económi- co”. Não é fenómeno único. O marketing já viveu na “cave” da economia, a publicidade na “cave” do marketing e o branding na “cave” da publicidade. Todas estas “caves” cresceram e tornaram-se complexos gigantes. A Grande Consumo também cresceu. Hoje, tem uma network personalizada fora do normal. Uma capacidade fora-de-série de gerar conteúdos de qualidade. Opera em todas as plataformas que contam. Lançou “A Melhor Loja de Portugal”, prémio que é uma referência. É feita com sangue, suor e alegria. E é assim há 20 anos.

Em 2024, a “cave” já lá ia, mas o “ look de cave” ainda se mantinha.

O 20.º aniversário era a oportunidade perfeita para elevar a sua imagem e a colocar ao nível da qualidade da re- vista. Estabelecido isto, desafiou a Wonder\Why a repensar e redesenhar a sua marca.

opinião Rebranding da Grande Consumo: uma revista que se encontrou RICARDO MIRANDA Sócio e diretor criativo Wonder\Why

Qualquer rebranding começa com perguntas. O que é a marca? O que quer ser? Como é vista? Como quer ser vista?

Passo 1: entra a equipa de estratégia . Faz-se auditoria de marca, onde se identifica o momento atual, benchmark da concorrência, inquérito de satisfação, mapa de posiciona - mento, construção de plataforma de intangíveis e, no caso da GC, com o envolvimento do Conselho Consultivo. Passo 2: apresenta-se o relatório estratégico com destaques e recomendações. Alguns highlights : a GC é um ponto de encontro para profissionais da indústria, retalho, logística e consumo – dá-lhes voz, informação, ideias ; a sua perceção deve mudar de revista de papel para plataforma de comunicação; a GC é uma máquina de gerar conteúdos de qualidade – com exclusividade, profundidade, relevância ; é séria, credível, ética; deve assumir o papel de liderança, que já tem neste mercado, sem medos; por fim, a GC tem uma identidade de marca não adequada ao jornalismo económi- co que desenvolve. Este último ponto é o ponto de partida para a constru- ção da nova identidade. Falta jornalismo na marca. É este o briefing para a criatividade. Passo 3: análise do nome , base da identidade verbal da marca. Grande Consumo é um nome descritivo, o que é prática comum num mercado povoado por títulos como Distribuição Hoje , Hipersuper ou Meios e Publicidade . São nomes que “descrevem” o mercado onde atuam. Mas o mercado da GC é mais do que só “grande consumo”. Inclui

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– news, talks, stories, knowledge, events . Há que criar um universo visual e verbal da marca, a partir do novo logótipo. E depois materializá-lo nas plataformas onde habita. Passo 8: desenvolver Manual de Normas Gráficas . Nele explica-se, tintim por tintim , como a nova marca deve ser aplicada e – igualmente importante – como não deve ser aplicada. Em branding , a coerência não é só uma necessi - dade, é uma religião. Cada intervenção desmazelada é uma facada no valor da marca, percecionado e financeiro. Por cada peça mal feita, a marca vale menos. Passo 9: novo projeto gráfico editorial para a revista de papel. É a menina dos olhos do Bruno Farias e da Carina Rodrigues. Foi aqui que tudo começou. Se a revista não absorvesse a nova marca, não havia nova marca. Por isso, desenhámos novas grelhas e criámos layout para miolo e capas. Definimos níveis de prioridade gráfica dos conteúdos e aproveitamento das fotografias. A orientação principal foi deixar a revista respirar . Preencher sem encher. Dar espaço ao espaço em branco. Passo 10: a comunicação . Agora que a GC tem uma nova marca, temos de a dar a conhecer. Criámos uma campanha de imprensa e meios digitais. Parte da seguinte premissa: se a GC dá que pensar, que pensamentos são esses? Cada título de cada anúncio foi criado a partir de um artigo real. Como se alguém se interrogasse depois de o ler. “A inteligência artificial vai criar este anúncio?”, para artigo sobre debate no The Lisbon MBA. “A cibersegurança também segura alimen - tos?” para peça que explica como os hackers podem afetar a cadeia de abastecimento alimentar. Passo 11: criação de capa icónica da revista a assinalar a mudança. Queríamos uma capa one shot que fosse um “hino à Grande Consumo” . Pesquisámos centenas de fotos e imagens, que ajudaram a construir a revista, e fizemos uma colagem para mostrar como a vemos: curiosa, poderosa, linda, mas, sobretudo, profundamente humana. O rebranding será feito de mais passos. Estes 11 são os primeiros. Os outros serão percorridos pela equipa da GC. É na continuidade que a marca verdadeiramente se faz. E de continuidade, a Grande Consumo tem 20 anos de experiên- cia.

indústria, distribuição, logística. Pelo que assumimos que o nome segue a lógica da Grande Lisboa ou Grande Porto. A sua “geografia” abrange mais territórios. GC é também um nome incontornável no mercado. É conhecido, é reputado, é para manter. Além de ter “grande” no nome. Como se disses- se que nasceu para escalar. Passo 4: análise do logótipo , base da identidade visual. O tipo-de-letra é manuscrito. Letras manuscritas são como fotos antigas: toda a gente gosta. São familiares, próximas, afetivas, lembram-nos a infância. Mas a função de um logótipo não é gostar-se . É feito para projetar uma imagem que represente o que a marca é ou quer ser . Olha-se para o logótipo antigo e podia ser de uma marca alimentar. Só que a GC não quer vender produtos bio. Quer fazer reportagens sobre produtos bio. O novo logótipo será, então, o ponto de partida criativo para reposicionar a GC . Queremos que as pessoas olhem para ele e sintam jornalismo , em vez de bolachas Maria ou pizzas. Passo 5: criação do novo logótipo . Deixamos cair o tipo-de-letra antigo. Substituímos por dois. Um para cada palavra do nome. “Grande” ganha uma fonte clássica, serifa- da, elegante. Quando a inclinamos ( itálico ) ganha dinâmica, como se quisesse mover-se. E pomo-la em letras minúsculas, porque o nome diz “grande”. Acentuá-lo seria arrogante. Já a palavra “Consumo” deve expressar a credibilidade do seu jornalismo. Pelo que escolhemos uma fonte sem serifas, contemporânea, em letras maiúsculas, que comunica soli- dez. Mas falta qualquer coisa. Neste caso, duas coisas. Adicio - namos um ponto gráfico que simboliza o ponto de encontro referido no relatório de auditoria. Relembra-nos que a GC cruza profissionais, práticas e pontos de vista. O segundo elemento que falta é a cor . Num mercado inundado por ver- melhos, comuns na categoria do consumo (quer entrar pelos olhos dentro no linear), escolhemos um laranja-ocre, mais característico do jornalismo económico e financeiro. Agora, temos um logótipo onde o design gráfico “respira” jornalismo. E dramatiza a tensão da marca: a procura cons- tante de grandes histórias credíveis. Passo 6: criação de nova assinatura de marca . Era “a revista dos negócios da distribuição”. Agora é “dá que pen - sar”. Passa de strapline (frase que diz o que a marca faz ) para tagline (diz o que a marca promete ). Muda por três razões: primeira, 20 anos depois, o mercado sabe o que a GC faz; segunda, nem é só uma revista, nem é só de distribuição; terceira, o encontro com pessoas e experiências faz-nos pensar e agir, o que potencia a nossa carreira. Nesse sentido, todos os pontos de encontro são pontos de partida. Passo 7: expansão da marca. A GC é hoje um ecossiste- ma. Com várias plataformas – papel, site , newsletter , podcast , redes sociais, WhatsApp – e uma tipologia de conteúdos

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mercado 2005: um ano que mudou rumos texto CARINA RODRIGUES fotografia SHUTTERSTOCK

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O ano de 2005 foi um ponto de viragem em várias frentes: económica, política, cultural e tecnoló- gica. O mundo enfrentou tragédias, presenciou despedidas de figuras icónicas, viu emergir novas lideranças e assistiu ao nascimento de platafor- mas que viriam a transformar o quotidiano de mi- lhões. Enquanto a economia mundial beneficiava do crescimento das emergentes, especialmente a China e a Índia, Portugal, por sua vez, navegava num mar de dificuldades económicas, com bai - xo crescimento e elevado défice orçamental, mas também lançava projetos estruturais que molda- riam o futuro. O ano de 2005 foi marcado por um ambiente de crescimento económico global moderado, mas com desafios significativos, como a alta dos preços do petróleo, a valorização do euro face ao dólar, crises financeiras nalgumas regiões e um cenário de tran - sição na economia portuguesa. O crescimento económico mundial manteve- -se sólido, atingindo cerca de 4,4%, impulsionado pelas economias emergentes. A China continuou a sua ascensão económica, com um crescimento impressionante de 11,4%, consolidando-se como a grande fábrica do mundo e um motor do comércio global, mas também houve tensões devido ao dum- ping de produtos têxteis, aço e eletrónica. A Índia manteve igualmente um crescimento forte, na or- dem dos 9%, beneficiando da expansão do sector tecnológico e dos serviços. Nos Estados Unidos, a economia expandiu-se 3,5%, sustentada pelo consumo interno e pelo boom imobiliário. Mas nem tudo eram boas notícias. A alta do preço do petróleo – que ultrapassou os 70 dólares por barril em agosto, impulsionado pela crescente procura da China e da Índia e pelo impac - to do Furacão Katrina na produção petrolífera do Golfo do México – pressionou governos e empresas, agravando a inflação. A valorização do dólar foi outro fator determi - nante. No início de 2005, o euro estava em torno de 1,35 dólares, mas a moeda americana recuperou no final desse ano, impulsionada pela subida das taxas de juro pela Reserva Federal dos Estados Unidos da América, uma medida para conter a inflação e o superaquecimento do sector imobiliário. O Ban - co Central Europeu (BCE), liderado por Jean-Claude Trichet, manteve as taxas de juro baixas durante grande parte do ano (2%), para estimular o cresci- mento, mas aumentou-as para 2,25% em dezembro, numa tentativa de travar a inflação. Na Zona Euro, registou-se um crescimento mo- desto de 1,2%, refletindo as dificuldades estruturais das principais economias do bloco, como França e Alemanha. A primeira enfrentou, em outubro e no- vembro, os protestos violentos às portas de Paris, devido à discriminação social e racial nos bairros

periféricos. A segunda viu a ascensão de Angela Merkel, que a 22 de novembro se tornou na primei - ra mulher chanceler do país, iniciando um longo período de liderança que duraria até 2021. Num ano turbulento para a União Europeia, a re - jeição da Constituição Europeia em referendos em França e na Holanda gerou incerteza nos mercados financeiros, que tiveram desempenhos mistos. Nos Estados Unidos, o S&P 500 valorizou 3%, enquanto o Dow Jones caiu 0,61%. Na Europa, o DAX alemão e o CAC 40 francês tiveram valorizações expressi - vas de 27% e 23,4%, respetivamente. O mercado de crédito imobiliário dos Estados Unidos continuou a crescer rapidamente, prenunciando a crise finan - ceira de 2008. As tragédias também marcaram 2005. O ano que iniciou no rescaldo do tsunami na Indonésia ficou marcado pelo Furacão Katrina, que a 29 de agosto devastou Nova Orleães e causou 1.800 mortos, com a resposta do governo de George W. Bush a gerar críticas ferozes. Em Londres, os atentados de 7 de julho abalaram a capital britânica e o mundo, fa- zendo mais de 50 mortos e centenas de feridos. Já no Paquistão, a 8 de novembro, um terramoto de 7,6 graus ceifou mais de 86 mil vidas e deixou milhões de desalojados. Portugal entre crises e reformas Em Portugal, o crescimento económico foi anémi- co, fixando-se nos 0,9%, muito abaixo da média eu - ropeia. O desemprego subiu para 7,6%, refletindo a crise industrial e a deslocalização de empresas para o leste europeu e a Ásia. O encerramento da fábrica da Opel na Azambuja foi um dos casos mais emble - máticos, afetando mais de 1.200 trabalhadores. Os sectores têxtil e do calçado também sofreram com a forte concorrência chinesa e dificuldades na adap - tação ao mercado global. A 20 de fevereiro, José Sócrates venceu as elei- ções legislativas, com 45% dos votos, e assumiu a liderança do governo. Enfrentou um défice público elevado de 6,1% do Produto Interno Bruto (PIB) e implementou medidas de austeridade, como o au- mento do IVA de 19% para 21%, o congelamento de salários na função pública e as reformas na Segu - rança Social, visando garantir a sustentabilidade do sistema de pensões. A aposta em infraestruturas tornou-se central. Foram lançados projetos, como a Autoestrada Transmontana, e medidas de simplificação ad - ministrativa, como o Cartão de Cidadão. O sector tecnológico registou um crescimento significativo, com novos investimentos em parques empresariais e centros de inovação, e o energético teve incenti - vos para renováveis, face ao aumento das tarifas elétricas.

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No turismo, os números foram positivos, cres- cendo 4,5%, impulsionados por um incremento da procura externa. No entanto, o consumo interno foi penalizado pelo aumento do IVA e pela subida dos combustíveis. A Bolsa de Lisboa valorizou 16%, des - tacando-se as ações da EDP, Galp e BCP. Porém, o ano ficou também marcado por um dos piores períodos de incêndios florestais, com cerca de 338 mil hectares ardidos. No campo cultu- ral, perderam-se no mesmo dia, 13 de junho, duas figuras marcantes: Álvaro Cunhal, líder histórico do Partido Comunista Português (PCP) e um dos maiores símbolos da oposição ao Estado Novo, aos 91 anos, e Eugénio de Andrade, um dos maiores poetas portugueses do século XX, aos 82 anos. Um ano de finais e de novos começos Num ano de despedidas e estreias, João Paulo II fa - leceu a 2 de abril, após 26 anos de pontificado, sen - do sucedido por Bento XVI. O fim do recrutamento militar obrigatório em Portugal marcou uma mu- dança na defesa nacional. E, enquanto a televisão via nascer a SIC Mulher, a Internet tornava-se cada vez mais essencial no dia a dia. O mundo estava a mudar rapidamente, prepa- rando-se para uma era de maior conectividade e desafios inéditos. Duas décadas depois, os ecos de 2005 ainda ressoam. Afinal, foi o ano que lançou as bases para muito do que hoje vivemos. O Google Maps foi lançado a 8 de fevereiro, revolucionando a forma como navegamos. Hoje, é usado por mais de mil milhões de pessoas, em todo o mundo, todos os meses.

“O Google Maps foi lançado a 8 de fevereiro, revolucionando a forma como navegamos. Hoje, é usado por mais de mil milhões de pessoas, em todo o mundo, todos os meses”

No primeiro semestre de 2005, o carrinho de compras das famílias levava em média 14 artigos por compra (Marktest)

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Seis dias depois, nasceu o YouTube, criado por três ex-funcionários do PayPal, Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim. Começou a tornar-se popular com vídeos como “Me at the zoo” e a música “Numa Numa” e, em pouco mais de um ano, foi adquirido pelo Google por 1,65 mil milhões de dólares. Outra inovação importante de 2005 foi o avanço no desenvolvimento da vacina contra o papilomaví- rus humano (HPV), que posteriormente se tornaria fundamental na prevenção do cancro do colo do útero. Na cultura, viveram-se momentos marcantes. “Harry Potter e o Príncipe Misterioso”, o penúltimo livro da saga de J.K. Rowling, foi lançado a 16 de julho e vendeu milhões de cópias, tornando-se no best-seller de 2005. Só nas primeiras 24 horas vendeu nove milhões. No total, ultrapassou os 65 milhões de cópias vendidas. Em Portugal, o livro mais vendido foi “Portugal, Hoje: O Medo de Existir”, de José Gil. Este ensaio tornou-se um fenómeno editorial inesperado, al- cançando vendas superiores a 44 mil exemplares e superando obras internacionais de grande sucesso, como “O Código Da Vinci”, de Dan Brown. A obra de José Gil destacou-se pela sua análise profunda da sociedade portuguesa, ressoando amplamente entre os leitores nacionais. No cinema, “Harry Potter e o Cálice de Fogo” dominou as bilheteiras mundiais, arrecadando 896 milhões de dólares, enquanto “Madagáscar” foi o filme mais visto nos cinemas portugueses, atraindo 692.448 espectadores e gerando uma receita bruta de 2,854 milhões de euros. Outro destaque foi “O Crime do Padre Amaro”, que desde a sua estreia se mantém como o filme português mais visto desde que há registos oficiais, com 380.671 espectadores e uma receita de 1,644 milhões de euros. “Million Dollar Baby”, realizado por Clint Eastwood, arreca - dou o Óscar de Melhor Filme. Na música, numa altura em que o iPod Nano e o iTunes cimentavam a revolução digital, “X&Y”, dos Coldplay, tornava-se um êxito global, vendendo mais de 8,3 milhões de cópias só em 2005. O álbum foi um grande sucesso comercial, atingindo o #1 em mais de 30 países, incluindo os Estados Unidos e o Reino Unido. Madonna lançou “Confessions on a Dance Floor” e o single “Hung Up” tornou-se um hit mundial. Em Portugal, o álbum mais vendido foi o homónimo de estreia da banda D’ZRT, que alcan - çou vendas superiores a 130 mil cópias, correspon - dendo a sete vezes Platina. A 21 de maio, Portugal foi representado por 2B na Eurovisão, com a música “Amar”, mas não pas - sou da semifinal. O desporto também teve os seus heróis. Fernan - do Alonso encerrou o domínio de Michael Schuma - cher e tornou-se o mais jovem campeão mundial de Fórmula 1, aos 24 anos, recorde depois batido por Sebastian Vettel.

Em 2005, 40,5% do valor despendido pela classe social alta e média alta em bens de consumo corrente para o lar era gasto em hipermercados. As classes sociais média e baixa despendiam a maior percentagem de valor gasto em compras para o lar nos supermercados (Marktest)

“Segundo a AC Nielsen, hoje Nielsen IQ, Portugal tinha, em 2005, um hipermercado para cada 150 mil habitantes, um rácio inferior ao de Espanha (110 mil habitantes por hipermercado) e França (50 mil habitantes por hipermercado)”

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GRANDE CONSUMO

Em 2005, os lares portugueses gastaram, em média, por compra, 18,50 euros em produtos de consumo corrente para o lar. Num hipermercado, as famílias de Portugal Continental gastavam, em média, por compra, 43,3 euros. Numa mercearia tradicional, 9,3 euros era o valor médio gasto por compra (Marktest)

O Tour de France foi vencido por Lance Armstrong, pela sétima vez consecutiva, antes de ser desclassifica - do por doping . No futebol, José Mourinho conquistou a Premier League com o Chelsea, logo na sua primeira época, e o Benfica quebrou um jejum de 11 anos, sagrando-se campeão nacional, sob o comando de Giovanni Tra - pattoni. Mas foi surpreendido e derrotado por 2-1 pelo Vitória de Setúbal, na final da Taça de Portugal. Ronaldinho Gaúcho, então no Barcelona, foi coroa - do o melhor jogador do mundo pela FIFA, ganhando a Bola de Ouro, enquanto Portugal se destacou ao vencer o primeiro Mundial de Futebol de Praia da FIFA, dispu - tado no Brasil. No Rally Dakar, Carlos Sousa conseguiu o melhor resultado de sempre para Portugal, terminando em sexto lugar. 2005 foi designado como Ano Internacional da Fí - sica, Ano Internacional do Microcrédito, Ano Interna - cional do Desporto e Educação Física, Ano Ibero-ame - ricano da Leitura e Ano da Eucaristia. A Personalidade do Ano, segundo a revista Time, foi Bono, vocalista dos U2, e o casal Bill e Melinda Gates, pelo seu impacto hu - manitário global. Em Portugal, várias personalidades foram também reconhecidas pelo seu contributo em diferentes áreas e António Guterres, nomeado Alto- -Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, foi distinguido como Personalidade do Ano pela Associa- ção da Imprensa Estrangeira em Portugal. Num ano em que várias marcas e empresas expan- diram a sua presença no país, com a abertura de novas

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mercado

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lojas, o Grupo Sonae lançou a Wells, inicialmente sob o nome Área Saúde, e a seguradora bel- ga Ageas entrou no mercado através das marcas Médis e Ocidental, em parceria com o Millennium bcp. 2005 começou num sábado, segundo o calendário gregoria- no. A terça-feira de Carnaval ocorreu a 8 de fevereiro e o do- mingo de Páscoa a 27 de março. Segundo o horóscopo chinês, foi o ano do Galo, começando a 9 de fevereiro. Em novembro, nasceu a Grande Consumo.

O comércio em 2005: entre a expansão e a transformação

No início de 2005, o comércio em Portugal já vivia tempos de mudança. As ruas das cidades, outrora dominadas por pequenas lojas familiares, começavam a ver as suas montras substituídas por anúncios de arren- damento. Ao mesmo tempo, as grandes superfícies comerciais pros- peravam, estendendo-se pelo país a um ritmo acelerado. O consumidor português, sempre atento às novidades, começava a alterar os seus há- bitos, seduzido pelo conforto e pela conveniência das grandes cadeias de distribuição. Segundo a AC Nielsen, hoje Nielsen IQ, Portugal tinha, na altura, um hi- permercado para cada 150 mil habitantes, um rácio inferior ao de Espa- nha (110 mil habitantes por hipermercado) e França (50 mil habitantes por hipermercado). Estavam a dar-se os primeiros passos da liberali- zação no sector do comércio e os operadores de retalho investiam na sua expansão. Pelas contas da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição, abriram, nesse ano, 104 novas lojas de grande dimensão, representando um total de mais de 125 mil metros quadrados de área de venda. As aberturas foram lideradas pelas lojas discount , com 20 novos Plus, 14 Lidl e quatro Dia/Minipreço. Também foram inaugurados cinco Modelo, quatro Pingo Doce, dois Continente, um Auchan, um Fei- ra Nova e um Modelo Bonjour. E, no segmento de lojas especializadas, as marcas da Sonae dominaram a expansão: a Sportzone abriu 11 novas unidades, a Worten 10, a Vobis sete e a Modalfa seis. Mas nem só de expansão viveu o sector. As mudanças estratégicas das grandes marcas começaram a pressionar o pequeno comércio, que já enfrentava dificuldades desde o final da década anterior. As compras semanais nos hipermercados substituíam as idas diárias à mercearia da esquina, os pequenos talhos perdiam clientes para os balcões refrigera- dos das grandes superfícies e até os livreiros e papelarias sofriam com a ascensão das grandes redes. Os retalhistas independentes viam-se obrigados a reinventar-se ou a fechar as portas. As lojas chinesas, por outro lado, tornavam-se cada vez mais populares entre os consumidores. Em Lisboa e no Porto, de acordo com a Mark- test, 60,9% da população fazia compras nestes estabelecimentos, prin- cipalmente adquirindo vestuário (35,9%), artigos para o lar (21,8%) e de decoração (20,5%). O preço acessível dos produtos era o principal fator de atração (53,8%). Ao mesmo tempo, os centros comerciais tornavam-se verdadeiros polos de interesse para os consumidores, misturando compras e lazer numa experiência difícil de replicar nas ruas tradicionais. 2005 foi mar- cado pela inauguração de vários espaços de referência: o Fórum Viseu, o LoureShopping e o Dolce Vita Porto, hoje Alameda Shop & Spot. O ano de 2005 marcou, assim, uma transição importante para o sec- tor do comércio em Portugal. A consolidação das grandes superfícies, a ascensão dos discounts (10 anos após a sua chegada a Portugal, o Lidl contava já com 154 lojas) e a chegada de novas marcas internacionais mudaram o panorama do retalho nacional. O pequeno comércio lutava para se adaptar, enquanto os consumidores, cada vez mais exigentes e atentos ao preço, aprendiam a navegar num mercado em rápida evolu- ção. Olhando para trás, 2005 foi um ano de desafios e de oportunidades. O comércio tradicional enfrentou tempos difíceis, mas também se abriram novas perspetivas. Algumas marcas reinventaram-se, outras desapare- ceram, mas uma coisa é certa: o sector nunca mais foi o mesmo.

“O ano de 2005 marcou uma transição

importante para o sector do comércio em Portugal. A consolidação das grandes superfícies, a ascensão dos discounts (10 anos após a sua chegada a Portugal, o Lidl contava já com 154 lojas) e a chegada de novas marcas internacionais mudaram o panorama do retalho nacional”

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GRANDE CONSUMO

É muito interessante olhar para trás e, num exercício de ficção de marketing, pensar no que teríamos mudado há 20 anos no que respeita à inovação, se soubéssemos o que sabemos ago - ra. A primeira coisa que nos vem à cabeça é uma sensação de oportunidade perdida, porque sabíamos muito mais do que poderíamos pensar, mas não prestámos muita atenção, sendo precisamente o que se passa hoje em dia. O mundo do grande consumo é muito estável por defini - ção. Comer e beber são necessidades tão básicas que estão bastante desligadas de variáveis macro, como a economia. Obviamente que se alcançou um mínimo que foi ultrapassado em grande medida nos países ocidentais. Assim, não vamos comer ou beber um pouco mais ou um pouco menos pelo fac- to de a economia crescer ou diminuir um pouco. Do mesmo modo, as necessidades que satisfazemos, as razões pelas quais compramos um produto ou outro também não variam muito. É por isso que o prazer, a conveniência e a saúde foram, são e serão os principais drivers que movem o mercado. Claro que há muitas coisas que mudam, não me interpre - tem mal. Temos mudanças na forma como consumimos, por exemplo. Nos últimos anos, assistimos a uma evolução impor - tante no que consideramos saudável, passando da subtração ou adição de ingredientes para conceitos muito mais holísti - cos e complexos, como naturalidade, pegada ecológica, eco... Vimos como o consumo nos lares se está a tornar cada vez mais desestruturado, com cada vez menos membros da famí - lia a comer ao mesmo tempo, pratos individuais, mais petiscos ou consumo em frente à televisão ou ao tablet e, claro, tudo isto é pontuado por modas mais ou menos passageiras, como a adição de vitaminas e ómega 3 a tudo, a demonização de in - gredientes como o óleo de colza ou o movimento plant -based. A forma como fazemos compras também mudou, impul - sionada pelas alterações na estrutura dos retalhistas. Compra - mos mais pela proximidade, mais em retalhistas organizados, o que nos leva a fazer compras em menos locais, com menos frequência, mas com os carrinhos mais cheios. Estamos tam- bém muito mais informados e podemos comparar mais facil- mente. E, claro, houve também mudanças na oferta devido às evoluções tecnológicas que nos permitem embalar, conservar, cozinhar, texturizar, aromatizar de diferentes formas. Todas estas mudanças são importantes e os fabricantes esforçam-se por detetá-las e cobri-las com o lançamento de mais e mais produtos. Isso é muito claro. O que eu quis dizer com coisas que não mudam são os fundamentos que explicam o sucesso de uma inovação. Para simplificar, mencionarei os dois mais importantes: o facto de o produto ser visto como novo e relevante e de estar disponí- vel nas lojas. E isso, que é o mais importante para o sucesso, não mudou. O problema é que, enquanto indústria, não nos temos saído muito bem. Há cada vez menos inovação, por - que a inovação tem cada vez menos êxito. Como temos medo de falhar, arriscamos pouco na ideia e apoiamo-la pouco. E a distribuição acredita cada vez menos em nós e o consumidor

opinião 20 anos de inovação: o que é que não sabíamos em 2005? Sabíamos muito, mas não fizemos caso CÉSAR VALENCOSO Consumer Insights Director Iberia Kantar Worldpanel

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opinião

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acha tudo cada vez mais igual e, por isso, está mais disposto a experimentar alternativas que apenas oferecem o mesmo, mas mais barato. Podemos procurar explicações e justificações para tudo o que acontece nos mercados. Que os retalhistas tomam de- cisões com base em rentabilidade e MDD, que o consumidor olha mais para o seu próximo iPhone do que para as novida- des que propomos, que as pessoas não conseguem fazer face às despesas e não podem pagar a inovação ou que tudo já foi inventado. É só dizer. Mas a realidade é que as causas e as solu - ções estão dentro do sector. Analisámos recentemente a evolução, em termos de inves - timento, das alavancas mais a curto prazo, como as promoções ou a descida dos preços dos produtos, e das mais a longo pra - zo, como a inovação, o investimento em branding, a publicida- de, entre outras, e o resultado é claro. Estamos todos a olhar para o curto prazo e isso impede-nos de investir naquilo que realmente nos pode salvar. E aqui incluo fabricantes e retalhistas. Para os fabricantes, a perda de quota de mercado em relação à MDD é, nalguns ca - sos, já insuportável e, para os retalhistas, as categorias não são capazes de crescer em valor (nem em volume) e estão a perder margens com a mudança para “o mais barato possível”, pelo

que caminhamos para um desastre coletivo. Mercados planos em termos de volume e de valor, sem margem para inovar ou manter as estruturas atuais, o que significa que não só os fa - bricantes e os distribuidores ficarão a perder, mas também os consumidores, com menos opções de escolha e menos adapta - das às suas necessidades. Apesar de tudo, duas boas notícias para concluir: a primei- ra é que sabemos o que é preciso fazer para voltar a crescer de forma sólida. Não se trata de encontrar a pedra filosofal, mas de aplicar de forma contundente aquilo que sabemos que fun- ciona. Há que investigar mais, mas sobretudo melhor. Há que ter processos que garantam que executamos o que sabemos e há que concentrar o nosso investimento no equilíbrio certo entre o curto e o longo prazo. A segunda é que agora, este ano, é a melhor altura para começar a inovar melhor. O ambiente é, sem dúvida, muito melhor para nós agora do que será daqui a dez anos. A tendência do mercado ceteris paribus é para piorar. Por isso, não esperem. É urgente. Vamos voltar a concentrar - -nos (de forma equilibrada, claro) no longo prazo, construindo marcas fortes e oferecendo inovações relevantes e novas ao consumidor. Provavelmente, lançaremos muito menos coisas no mercado do que estamos a lançar agora, mas com certeza com mais sucesso.

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GRANDE CONSUMO

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tema de capa

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tema de capa “Se alguma coisa

aprendi, nestes 20 anos, é que é impossível prever as dinâmicas do retalho” texto CARINA RODRIGUES fotografia SARA MATOS / SHUTTERSTOCK

Ao longo dos últimos 20 anos, o retalho e o consumo em Portugal foram marca- dos pela transformação constante e pela capacidade de adaptação — tanto das in- sígnias, face a crises e mudanças tecno- lógicas, como dos consumidores, cada vez mais informados e exigentes. Numa conversa reveladora com Ana Paula Barbosa, retailer services director da Nielsen IQ, refletimos sobre estas duas décadas de evolução. Da crise de 2008 à revolução digital, passando pelo impac- to da pandemia e pelo papel crescente das redes sociais, às tendências que irão moldar o futuro.

A Nielsen IQ tem acompanhado a evolução do consumo e do retalho, ao longo destas duas décadas. Se tivéssemos de defi - nir os últimos 20 anos numa palavra, qual seria? Se tivesse de eleger uma palavra para caracterizar a evolução nestes 20 anos, seria a de “transformação”. Mas gostaria tam - bém de salientar a capacidade de adaptação do retalho, não só à evolução do consumidor, como também ao contexto, tal como a capacidade de adaptação do consumidor a este mesmo contexto e às novas ofertas do retalho. O retalho, em particular o alimentar, é dos sectores mais resistentes às crises e, nos úl - timos 20 anos, isso tem sido muito claro. Em 2005, como era o cenário do consumo e do retalho em Por- tugal? Que características marcavam esse período? Em 2005, estávamos num contexto em que o formato hiper - mercado estava a entrar numa fase de decréscimo, digamos assim. É verdade que, em 1997, tinha havido uma mudança na legislação que restringiu muitas aberturas de lojas com mais de dois mil metros quadrados. Portanto, o retalho teve de se adaptar e começaram a abrir lojas até 1.999 metros quadrados, para poderem estar abertas ao domingo de tarde. Naquela al- tura, lojas de dimensões superiores não o podiam fazer. A medida tinha por objetivo proteger o comércio tradicio- nal, mas acabou por ser um pouco contraproducente, porque o formato supermercado começou a expandir, adaptou-se e, ao mesmo tempo, apareceram os discounts . Nesse ano de 2005, prevíamos um grande crescimento dos supermercados e dos dis- counts. Recordo que até fizemos conferências sobre o tema.

Ana Paula Barbosa, retailer services director da Nielsen IQ, considera que se tivesse de escolher uma palavra para caracterizar a evolução dos últimos

20 anos seria a de “transformação”

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