Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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Nem todas as experiências da primeira infância sofrem repressão. A teoria Freudiana estipulou que o conteúdo do inconsciente consiste em desejos infantis fixados, marcados pela sexualidade infantil. Neste período inicial, conhecido através de sua correspondência para Fliess (Freud, 1892-1899), Freud estava desenvolvendo o que se tornou conhecido como a teoria da sedução : a criança foi seduzida por um adulto, uma relação que deixa vestígios perturbadores que mais tarde aparecem na consciência deslocados e distorcidos por forças que se opõem à sua conscientização. A teoria da sedução era essencialmente uma teoria do trauma patológico sexual pré-adulto como determinante único da psicopatologia posterior. A experiência traumática da infância pode ser esquecida, dissociada ou reprimida, apenas para ser reativada ou exercer um efeito traumático diferido na adolescência, após a puberdade. Um legado duradouro do aspecto dinâmico do inconsciente foi a noção de forças emparelhadas em oposição dinâmica, resultando em novas formações psíquicas. Durante 1893-1895, Freud falou da oposição entre os afetos associados a eventos traumáticos e as proibições morais da sociedade. Enquanto Freud procedia a sua autoanálise, durante 1895-1900, ele passou a ver as forças opostas como cada vez mais internas: durante este tempo estava em construção a sua concepção inicial do aparelho mental, organizado por duas forças pareadas em oposição dinâmica, o desejo inconsciente e a interdição orientada pela realidade. Nesta época, quando a teoria do inconsciente ainda não estava sistematizada, Freud foi tomado pela ideia de que o material psíquico era submetido, de vez em quando, a um rearranjo, uma transcrição . Em sua correspondência privada a Wilhelm Fliess datada de 6 de dezembro de 1896, Freud (1892-1899) conta a Fliess que ele está trabalhando no pressuposto de que o " mecanismo psíquico " ocorre na forma de traços de memória. Estes são submetidos a um processo de estratificação, rearranjados de acordo com a percepção, e os traços de memória tornam-se posteriormente sujeitos à transcrição. O que está sendo postulado aqui é que uma transcrição de cenas ouvidas e vistas, mas ainda não compreendidas corretamente, ocorrem continuamente no aparelho psíquico. Esta é a primeira indicação do conceito de Nachträglichkeit . No esboço, não publicado em vida, do Projeto (1895), Freud explicou a histeria em termos de Nachträglichkeit : “... a lembrança fica reprimida apenas quando se torna um trauma por ação retardada [Nachträglichkeit]" (Freud, 1895, p.468). Visto sob esta óptica, o inconsciente contém traços distorcidos de memórias de cenas desde a primeira infância, que foram impossíveis de serem traduzidas porque a criança ainda não dominava a linguagem ou porque no momento essas cenas eram impossíveis de serem compreendidas pela criança. Como consequência, elas têm a qualidade de "coisas" não simbolizadas. Este mecanismo causal inicial do inconsciente recuou quando, na próxima fase do desenvolvimento de sua teoria, Freud enfatizou a fantasia, em lugar do trauma/cena de sedução infantil, como único determinante da psicopatologia posterior (Freud, 1892-1899, Carta de 21 de setembro de 1897, p. 351). A ideia de memórias como corpos estranhos internos atuando como um ataque interno foi ofuscada pela ideia da fantasia que gradualmente se tornou a pedra angular do que Freud chamava de realidade psíquica, embora não sem subsequentes questionamentos repetidos sobre a importância relativa do “trauma sexual” VS “fantasia”. A concepção da importância da fantasia em eventos mentais abriu a porta para a descoberta da sexualidade infantil e da fantasia universal do complexo de Édipo , que é descrita na carta subsequente de 15 de outubro de 1897: "Um único pensamento de valor genérico revelou-se a mim. Verifiquei, também no meu caso,

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