Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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deslocamento temporal e refletividade anterógrada, não envolvendo a atração do inconsciente e o consequente trabalho exigido no mesmo grau que o próprio conceito. Por fim, todos os estudos psicanalíticos podem ser considerados como efeitos posteriores do que motivou o próprio trabalho de Freud. De fato, ao seguir de perto suas proposições, eles as desenvolveram, refinaram e ressignificaram. Ademais, ao enfrentar aspectos da realidade que permaneceram inexplorados na obra de Freud, eles a enriquecem e a modificam em seus fundamentos. Um retorno às concepções da fonte traumática é então necessário para permitir que uma nova área do pensamento surja e se integre ao trabalho anterior, reorganizando o todo. III. D. Nachträglichkeit na Psicanálise Latino-Americana Na perspectiva latino-americana, o que Freud chama de Nachträglichkeit é uma concepção de temporalidade não linear e retroativa, uma interação entre ‘antes’ e ‘depois’. Entendem que o conceito de Nachträglichkeit está associado ao que é conhecido como o retorno aos escritos de Freud. Apesar do domínio do pensamento kleiniano na psicanálise na região do Rio da Prata até o final da década de 1960, a concepção não linear de Freud da temporalidade psíquica sempre esteve presente (Pontalis, 1968). A operação de Nachträglichkeit requer duas cenas: o ‘depois’, que constrói-constitui o 'antes'. Essas cenas apresentam materialidade diferente e são assimétricas: na cena do ‘depois’ há um sujeito que se faz presente e se envolve na criação da cena do ‘antes’, onde o que está presente é o objeto. É somente nesse ‘depois’, com o advento do sujeito, que é possível construir como trauma a cena ‘anterior’, em que há/havia apenas um objeto, de forma circular, num movimento não recíproco entre as duas cenas que nos permite considerar a causalidade na psicanálise de uma forma não determinística. Assim é possível ver como significação e temporalidade se entrelaçam no Nachträglichkeit, revelando a diferença entre os mecanismos de ação retroativa e regressão. Se cada cena significava a si mesma (se a cena ‘anterior’ era traumática em si mesma), então a ação retroativa se transformaria em regressão. A ação retroativa não envolve uma regressão a algo que já foi constituído; ao invés, o movimento de ação retroativa é que permite que a cena anterior e seu significado sejam constituídos. É a constituição do sujeito que possibilita a significação de algo que antes não podia ser significado. Os estudos clínicos de Emma e o Homem dos Lobos são geralmente apontados como paradigmas quando se trata de tentar identificar o problema da Nachträglichkeit nos escritos de Freud: “Projeto para uma Psicologia Científica” e “Homem dos Lobos”. Em Emma, o sintoma que descreve na sua análise com Freud (a compulsão de não conseguir entrar sozinha numa loja) não depende do traço da cena ocorrida quando ela tinha

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