Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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de uma atitude de neutralidade e abstinência. Ainda que o setting interno esteja geralmente associado ao analista, ele também pode ser aplicado ao paciente. Esse “ setting interno” do paciente pode inicialmente não ser aparente e precisar de desenvolvimento durante o processo. Quanto ao setting externo, alguns analistas referem-se a um “pacto” ou “contrato” entre analista e paciente (Etchegoyen, 1991). Tanto no setting externo como no interno, paciente e analista têm papéis, atitudes e tarefas correspondentes, porém assimétricos. É importante assinalar que os dois aspectos do setting vão influenciar um ao outro. O paciente deverá aceitar as condições do setting e estar disposto a colaborar da melhor maneira possível para cumpri-las. O analista também terá que concordar em obedecer a essas condições. Qualquer descumprimento do paciente será sujeito a exame e, portanto, se tornará parte do processo analítico. Todo paciente, no entanto, empresta ao setting seu próprio ponto de vista, influenciado por suas fantasias inconscientes, as quais deverão ser alvo de interpretação por parte do analista. O analista também deve levar em conta qualquer observação do paciente a respeito de seus possíveis erros (Rosenfeld 1987; Limentani 1966). Ferenczi promoveu maior elasticidade técnica. Ele acreditava que a manutenção de um setting tradicional no tratamento de pacientes mais graves poderia prejudicar a evolução e a sobrevivência da terapia. Ferenczi (1928, 1955) introduziu a ideia do “tato”, através do qual os analistas poderiam modificar sua técnica de acordo com cada paciente para facilitar o progresso da análise. No entanto, isso não significava que os analistas poderiam fazer o que quisessem dentro de seus consultórios. Ferenczi fez uma distinção entre o tato analítico e a bondade. Ele ainda falou sobre o que seria a segunda regra fundamental da psicanálise : para analisar alguém, é preciso ser analisado antes. Dessa maneira, Ferenczi pensou que as diferenças técnicas entre analistas poderiam desaparecer. José Bleger (1967), provavelmente o primeiro analista que estudou de forma sistemática o setting , descreveu a situação analítica, seguindo Gitelson (1952), como a totalidade dos fenômenos acontecendo na relação analista-paciente. Ele divide a situação analítica da seguinte maneira: (1) processo : fenômenos que podem ser estudados, analisados e interpretados; e (2) enquadramento ( encuadre ): um não processo, no sentido de que é composto de constantes dentro de cujas fronteiras o processo pode evoluir. De acordo com Bleger, quando o paciente encontra o setting proposto pelo analista – o enquadramento idealmente normal –, não é fácil detectar as fantasias inconscientes subjacentes, as quais permanecem mudas. Essas fantasias não se tornarão aparentes até que haja alguma perturbação do setting . Para Bleger, a fantasia inconsciente predominante do paciente é que o setting é o lugar onde seu corpo está fusionado com o corpo materno primitivo. Portanto, vemos o setting do analista funcionando como continente do setting “mudo” do paciente , o que implica a “parte psicótica da personalidade”. Com essa expressão, Bleger se refere ao ego primitivo, o qual é indiferenciado em função da relação simbiótica com o corpo da mãe. Meltzer (1967), discutindo o que ele chama “história natural do processo analítico” (1967, p.10), faz uma diferenciação entre duas questões técnicas. Uma envolve o que ele

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