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Em Édipo Rei , de Sófocles, a fantasia de desejo básica da criança é trazida à luz e concretizada como ela é nos sonhos, ao passo que em Hamlet, de Shakespeare, ela permanece reprimida, e ‘—tal como no caso de uma neurose— só ficamos cientes de sua existência através de suas consequências inibidoras.’ (Freud, 1900, p. 291). Sabe-se que Hamlet foi escrito imediatamente após a morte do pai de Shakespeare (em 1601) e, portanto, – temos direito de supor –, no meio do luto, enquanto Shakespeare estaria revivendo os seus próprios sentimentos infantis em relação a seu pai. Sabe-se também que um dos filhos de Shakespeare, que morreu prematuramente, era chamado de Hammet (que é idêntico a Hamlet). (Veja Freud, Sonhos sobre a morte de pessoas queridas, em A Interpretação dos Sonhos , 1900). Édipo e Hamlet fornecem um exemplo de dois aspectos presentes na transferência: Hamlet , do impulso criminoso parricida que, como resultado da repressão, se transforma em autocensura, e Édipo , o da inevitabilidade de um destino mortal que tenta consumar o incesto e o parricídio. A tragédia de Hamlet permite que Freud se refira ao aspecto reprimido do complexo de Édipo, enquanto a tragédia de Sófocles faz alusão ainda a outro elemento, aquele que foi dissolvido, enterrado ( Untergang ), mas que fica exposto na maneira com que os eventos se desenvolveram para o Édipo trágico. Ambos os aspectos são experimentados, na transferência para com a pessoa do analista, através de sintomas, sonhos e manifestações “reais”, no interior da cena da transferência. Sonhos típicos sobre a morte de pessoas queridas e sonhos de ansiedade, onde a censura é subjugada, constituem exemplos paradigmáticos da presença da tragédia. Os pesadelos, particularmente, indicam que os mecanismos dos sonhos falharam em sua função de preservar o sono e que os conteúdos trágicos invadiram a consciência, levando à interrupção do sono. Na cena da transferência, a resistência aproveita a presença de conteúdos trágicos para interromper a tarefa analítica. Freud considera que os sentimentos reais são uma consequência de conteúdos trágicos transbordados para a consciência e, portanto, quando nos deparamos com o assassino incestuoso que todos carregamos dentro de nós, sentimentos de horror e comportamento autopunitivo tendem a aparecer. Consequentemente, ao longo de um tratamento analítico, enfrentaremos, na transferência, conteúdos oriundos do conflito entre desejo e proibição e também manifestações reais, provenientes daquilo que foi dissolvido. No período em que a fase do complexo de Édipo termina, parte dele é reprimido e parte é enterrado. No entanto, em pacientes neuróticos, nenhum desses processos foi totalmente bem sucedido: sintomas e outras ocorrências em que os aspectos ocultos (isto é, impulsos instintuais incestuosos e parricidas) se tornam manifestos e tendem a aparecer. Quanto mais grave a condição, maior a presença de elementos dissolvidos.
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