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de Jan Abram. Ainda assim, o tratamento de Winnicott sobre transferência merece uma atenção significativa; está intimamente ligado às noções de enquadre e contratransferência. Originalmente um pediatra, Winnicott dirigiu a sua reflexão analítica para o relacionamento entre mãe e bebê. Distanciando-se da perspectiva kleiniana sobre a vida intrapsíquica nascente do bebê recém-nascido, ele privilegia o primeiro ambiente da criança e estuda as interações entre a mãe suficientemente boa e o bebê, junto com os fenômenos transicionais que a eles se referem. No tratamento, o s etting analítico concede ao analisando esse tipo de ambiente continente ( holding ), um ambiente dentro do qual a transferência e contratransferência se desenrolam. Concentrando-se nas deficiências nestes primeiros ambientes (isto é, especialmente nos casos em que a mãe não pode estar sintonizada com as necessidades da criança), Winnicott desenvolve sua noção de falso self, que é uma organização protetora, que abriga o verdadeiro self, mas que também dificulta o estabelecimento de um ego autêntico. Ele introduz uma brecha no sentimento da continuidade da existência. Aqueles pacientes que não receberam o tipo de cuidado apropriado na primeira infância e cujo ego não pode ser visualizado como uma entidade estabelecida – ou seja, aqueles que experimentam estados limítrofes e episódios psicóticos como adultos – não podem mais ser pensados em termos de neurose de transferência ou do levantamento da repressão. O conceito de transferência precisa ser ampliado pois “ o analista vê a si mesmo… confrontado com o processo primário do paciente” , com a ruptura original (1955-1956, p. 298). Nos casos em que o ambiente inicial apresenta uma deficiência, a experiência penosa que visa a ajudar o sujeito a superar tal falha deve acontecer na relação transferencial. Uma boa sintonia por parte do analista pode provocar a implementação de intensa dependência no paciente, da qual podem emergir confiança e segurança suficientes para que a experiência original do trauma– a agonia primordial de cair para sempre – possa ser re-encenada na transferência, produzindo uma mudança do falso self para o self autêntico. Como Winnicott escreve (1963), é impossível para tais pacientes se lembrarem de algo que ainda não teria acontecido, já que o ego do bebê era ainda muito imaturo para vivencia-lo. Neste caso, a única maneira do paciente “lembrar” seria experimentar, pela primeira vez, aquela coisa passada no presente, ou seja, na transferência. Outra contribuição específica feita por Winnicott na teorização da transferência diz respeito à destrutividade. Em “O Uso de um Objeto e Relacionamento Através de Identificações” (1968), Winnicott descreve a indispensável, vital e destrutiva força que permite ao sujeito, seja ele uma criança ou um paciente limítrofe, consentir a existência do objeto ou do analista fora da esfera de seu controle onipotente, fora da esfera de seus fenômenos subjetivos, existência possibilitada pela sobrevivência do objeto aos ataques transferenciais. Graças a essa provação fundamental, “começa a fantasia para o indivíduo. O sujeito pode agora usar o objeto que sobreviveu” (p. 90). Se tal experiência deixa de acontecer, então, para o paciente, o analista irá permanecer, para sempre, uma mera projeção de uma parte do seu self . Em “ O Ódio na Contratransferência ” (1947), Winnicott enfatiza a ambivalência vivenciada pelo analista diante de pacientes desafiadores. O paciente evoca um tipo de ódio
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