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que não é particular em si, mas cuja intensidade é específica para situação em questão. “Nas análises mais comuns, não é difícil para o analista administrar seu próprio ódio. […] Na análise de psicóticos, entretanto, o analista está sujeito a uma tensão cujo tipo, grau e dimensão são inteiramente diferentes, e é precisamente essa tensão diferente que estou tentando descrever” (p. 197). De acordo com Winnicott, essa diferença de intensidade entre neurose e psicose decorre da considerável lacuna entre as respectivas experiências de relações e interações primitivas. Em uma teorização que se baseia, em parte, nas noções winnicottianas, Roussillon (2011) discute pacientes que sofrem de transtornos de identidade narcisista que desenvolvem uma forma paradoxal de transferência, “um tipo de transferência em que algo é ‘voltado para trás’: o analisando, distante de qualquer possibilidade de integrar uma experiência passada específica, submete o analista a essa experiência” (p. 6)…“ Assim, o mundo da transferência é dominado mais por questões que envolvem negatividade do que por integração e vínculo. Ao mesmo tempo, a destrutividade ou certas formas de pulsão de morte dominam a libido; a relação com o objeto parece estar subordinada à ideia de uso do objeto, e não à ideia mais ‘clássica’ das relações objetais.” ( Id., p.7). IV. D. Wilfred R. Bion Bion, por sua vez, desenvolve a teoria de Melanie Klein, ao mesmo tempo em que se apoia fortemente nas concepções freudianas. Examinando a formação de pensamentos dentro da vida psíquica, Bion introduz o conceito de função alfa (Aprendendo com a Experiência, 1962), que permite que experiências sensoriais e emoções – elementos beta – se tornem elementos alfa e, dessa forma, possam ser memorizados, simbolizados e usados em pensamentos e sonhos. Tal transformação colocada na raiz da psique produz uma visão do consciente e do inconsciente como estados mentais reversíveis, dentro da experiência mental. Em alguns de seus trabalhos que enfocam o funcionamento psicótico, Bion diferencia as partes psicóticas e não-psicóticas da personalidade. Ele desenvolve o conceito de identificação projetiva, descrito por Melanie Klein, com referência à transferência dos componentes destrutivos cindidos projetados no analista, e lhe dá outro significado: o da profunda comunicação afetiva que normalmente opera entre mãe e bebê. A rêverie da mãe acolhe e transforma os elementos emocionais e sensoriais rudimentares projetados, tornando- os, desta forma, toleráveis e pensáveis para o bebê. Graças a Bion, a identificação projetiva e a relação continente-contido assumem um significado fundamental na compreensão da transferência ( cf. sessão CONTINÊNCIA: CONTINENTE-CONTIDO). Bion considera que o tipo de transferência no trabalho com pacientes esquizofrênicos reflete o conflito entre a pulsão de vida e a pulsão de morte, tornando a relação com o analista “prematura” e “precipitada”, na medida em que os impulsos destrutivos violentos e o ódio à realidade interna e externa estão em primeiro plano (Bion 1967 [1956]). O que o analista- arqueólogo descobre, portanto, não consiste nos vestígios de uma civilização antiga, e, sim, numa catástrofe primordial enraizada nas deficiências inerentes ao vínculo inicial com a mãe,
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