Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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juntamente com o temor inominável que acompanha tal catástrofe, que é reativada na transferência pelos ataques à capacidade de pensar e pela tolerância à dor psíquica. A persistência da transferência psicótica (ibid) contrasta com sua falta de profundidade, sua labilidade e sua extrema variabilidade: qualquer mudança é refletida na transferência de modo indiferenciado, o acesso ao significado é prejudicado, se não aniquilado, pelos ataques ao vínculo que impedem qualquer percepção e qualquer conexão com o objeto. Os aspectos sensoriais da interpretação, a entonação da voz e outras características materiais do enquadre, são, dessa forma, usados pelo paciente à custa da própria interpretação. Bion ressalta que “Encontramos os elementos da transferência naquele aspecto do paciente que denuncia sua percepção da presença de um objeto que não é ele mesmo. Não se pode desconsiderar nenhum aspecto de seu comportamento” (Elementos de Psicanálise, 1963 p. 81). Com a “Grade”, Bion prevê um sistema de "notação e registro" da experiência analítica, definida como uma experiência emocional. A transferência pode, então, ser representada por uma das categorias da Grade, ajudando a elucidar o vínculo K (Conhecimento) (N.T.: knowledge no original) entre o analista e o paciente, um vínculo destacado entre os vínculos básicos da vida psíquica, juntamente com os vínculos L (amor) e H (ódio) (N.T.: love and hate no original). Num sentido freudiano, a transferência inclui, na visão de Bion, as transformações “rígidas” pertencentes a “um modelo de movimento de sentimentos e ideias de uma esfera de aplicação para outra” (Transformações, 1965, p. 33). “Os sentimentos e ideias próprios à sexualidade infantil e ao complexo de Édipo, e às suas ramificações são transferidos , com uma inteireza e coerência típicas, à relação com o analista. Essa transformação envolve pouca deformação” (Ibid.). Tais transformações são específicas da parte não-psicótica da personalidade e referem-se a uma “linearidade” que evoca a distinção daquilo que é transferido pelo paciente para o analista. Quando mecanismos psicóticos ligados a uma catástrofe psíquica primordial e à parte mais arcaica da psique estão comprometidos na análise, os planos de projeção são multiplicados e os ataques contra a função alfa – ou até mesmo contra o todo do aparato psíquico que garante o contato com a realidade interna e externa – geram tantas confusões e distorções a ponto deste modelo linear se mostrar irrelevante para o material clínico. Bion introduz a noção de “transformações projetivas” para explicar essas formas de transferência marcadas por estados de confusão, indiferenciação e até desrealização. Em tais formas, a divisão e a destrutividade dirigidas aos conteúdos psíquicos e aos continentes prevalecem; a arrogância substitui a busca da verdade; e objetos bizarros, reduzidos à sua dimensão concreta, incluindo fragmentos do Ego, do Superego e elementos beta não transformados, remetem à identificação projetiva patológica e aos ataques ao vínculo. Em seus escritos posteriores, Bion lembra que qualquer teorização, incluindo a teorização da transferência, é uma resposta ao medo do desconhecido e envolve o risco de incapacitar a criatividade e o crescimento psíquico. Bion volta à etimologia do termo transferência, que sugere uma passagem, um elemento transitório na história do encontro

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