Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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o conceito de outros, normalizando, dessa forma, a vida social e integrando a experiência de afetos contraditórios, levando à modulação afetiva e redução da impulsividade. A partir destas suposições, a estratégia da Psicoterapia Centrada na Transferência consiste em clarear as relações de objeto ativadas na situação de tratamento (a transferência), em cada ponto afetivamente dominante, tanto de experiências positivas quanto negativas. Isto facilita a tolerância e a consciência de estados mentais conflitivos do paciente. Por meio de clarificação e finalmente interpretação dos estados mentais que têm sido dissociados devido às operações dominantes de cisão, a mentalização é estimulada. Na situação de tratamento, a ativação das relações de objeto cindidas tende a produzir “inversões de papéis” na transferência; em outras palavras, o intercâmbio dos papéis de self e objeto na experiência do paciente na sua relação com o terapeuta. Esse processo permite que o paciente, gradualmente, aceite sua identificação inconsciente com ambos, a vítima e o perseguidor, e, ao mesmo tempo, entenda que suas idealizações também têm uma qualidade pouco realista e representam uma função protetora contra o aspecto oposto e negativo da sua experiência. O terapeuta, mantendo a neutralidade técnica enquanto protege o setting terapêutico, permite uma introdução gradual da “psicologia das três pessoas”. Aqui a função do terapeuta é a do estranho “excluído” que ajuda o paciente a diagnosticar os estados cindidos idealizados e persecutórios. Estes estados podem se vincular posteriormente ao significado metafórico das relações de objeto ativadas na transferência (Kernberg, 2015). III. C. Melanie Klein e os Pós-Kleinianos Nas escolas Kleinianas o conflito também tem um papel fundamental, mas isso ocorre desde o começo da vida, anterior a consolidação da estrutura tripartite da mente. A interação entre as três estruturas emergentes, que acontece a partir do conflito entre os impulsos inconscientes do id e defesas do ego contrárias a estes, reforçadas pelas pressões do superego, está presente desde os primeiros estágios do desenvolvimento, contribuindo para a construção da estrutura psíquica. A luta entre o amor idealizado e a agressão destrutiva por meio da cisão, identificação projetiva, negação e controle onipotente, caracterizam a vida psíquica desde o seu início, dando lugar aos componentes básicos da vida psíquica, por exemplo, as constelações defensivas primitivas das posições esquizoparanóide e depressiva. Esta dinâmica ressalta a dimensão mais profunda do conflito inconsciente, que se dá antes da consolidação do id, ego e superego como três estruturas claramente diferenciadas. Para os analistas Kleinianos e pós- Kleinianos o entendimento do conflito inconsciente operando desde dos primeiros estágios do desenvolvimento mostrou-se ser muito útil para clarear e se aproximar terapeuticamente de patologias severas (como organização da personalidade borderline, patologia narcísica, perversão sexual, transtornos alimentares, comportamento antissocial) caracterizadas pela fixação nos primeiros estágios do desenvolvimento onde predominam a cisão e outros mecanismos de defesa primitivos (Kernberg, 2005). Tal entendimento implica em que o conflito inconsciente diz respeito a qualquer estrutura psíquica afetiva, tanto a primitiva, representada pelas relações de objeto internalizadas, quanto pela mais desenvolvida, constituída pela estrutura tripartite que já tem integradas na estrutura do ego, superego e id as

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