Jalapão

CERRADO VIVO

Instituto de Biociências - Universidade de São Paulo

Rebeca Viana • Ronaldo Andrade Santos Paulo Takeo Sano • (organizadores)

Prefácio por Ana Mumbuca

Instituto de Biociências - Universidade de São Paulo 2023

Informações editoriais: Organização Rebeca Viana Ronaldo Andrade dos Santos Paulo Takeo Sano Edição Rebeca Viana

Revisão Anne Freitas Gabriel Barco Projeto Gráfico e Diagramação TIKINET

Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço de Biblioteca do Instituto de Biociências da USP, com os dados fornecidos pelos autores. J26

Jalapão : Cerrado vivo / Organização Rebeca Verônica Ribeiro Viana, Ronaldo Andrade Santos, Paulo Takeo Sano -- São Paulo : Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, 2023. 121 p. : il. ISBN: 978 65 88234 13 6 1. Botânica. 2. Cerrado. 3. Quilombos. 4. Educação Ambiental. 5. Coprodução de Conhecimento. I. Viana, Rebeca Verônica Ribeiro. II. Santos, Ronaldo Andrade. III. Sano, Paulo Takeo. LC: QH541.5 Ficha Catalográfica elaborada por Elisabete da Cruz Neves. CRB-8/6228

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DEDICATÓRIA À memória de Maurício Ribeiro – artista da violinha - -de-buriti e pai de Vitória, Sofia e Davi. Pelo seu legado de música e amizade no quilombo Mumbuca.

AGRADECIMENTOS Agradecemos aos nossos companheiros e às nossas com - panheiras de pesquisa dos quilombos Mumbuca e Povoado do Prata; assim como aos nossos amigos e amigas de Mateiros, São Félix do Tocantins e Povoado Boa Esperança, também na região do Jalapão. Aos nossos companheiros do grupo de pes - quisa e extensão Cajuí , importante núcleo de afeto e resistên - cia dentro da Universidade de São Paulo. Às nossas famílias e aos amigos que nos apoiam na jornada até aqui e adiante. Esse livro é fruto do apoio institucional da Pró-reitoria de Cultura e Extensão e do Instituto de Biociências da USP ao “Projeto Cajuí”, por meio do edital Inclusão Social e Diversidade na USP e em Municípios de seus campi (edital PRCEU 02/2021).

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Autores Rebeca Verônica Ribeiro Viana (org.) Ronaldo Andrade dos Santos (org.)

Luzane Ribeiro Xavier Marcia Francisco da Silva Marco Antonio Fernandes Martin Faria Marijane Ribeiro da Silva

Marta Lariza Tavares Nubia Matos da Silva Osirene Fransisca de Souza Raimunda Pereira Lisboa Safira Ribeiro da Silva Silas Matos da Silva Sirlene Matos da Silva Sivaldo Neres dos Anjos Taiane Gomes Ribeiro

Paulo Takeo Sano (org.) Alisneia Ribeiro da Silva Daniela Rodrigues Eloides Tavares da Silva Geissiane Ribeiro da Silva Givoene Matos da Silva Iana Tavares Leiliane Barbora da Silva Leni Francisca de Sousa

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SUMÁRIO 10 APRESENTAÇÃO Rebeca Viana 16 PREFÁCIO Ana Mumbuca 19

27 SABERES E FAZERES DO QUILOMBO MUMBUCA: ATIVIDADES DE ENSINO DESENVOLVIDAS POR PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL SILVERIO RIBEIRO MATOS Ronaldo Andrade dos Santos, Marcia Francisco da Silva, Sivaldo Neres dos Anjos, Raimunda Pereira Lisboa

O CERRADO DAS CRIANÇAS DO JALAPÃO Marco A. F. M. Faria, Osirene Francisca de Souza, Leni Francisca de Sousa

39 ENSINANDO E APRENDENDO SOBRE O CERRADO: O OLHAR DE JOVENS DO QUILOMBO MUMBUCA Rebeca Viana, Alisnéia Ribeiro da Silva, Daniela Rodrigues, Eloides Tavares da Silva, Geissiane Ribeiro da Silva, Givoene Matos da Silva, Iana Tavares, Leiliane Barbosa da Silva, Luzane Ribeiro Xavier, Marijane Ribeiro da Silva, Marta Lariza Tavares, Nubia Matos, Safira Ribeiro da Silva, Sirlene Matos da Silva, Silas Matos da Silva, Taiane Gomes Ribeiro

117 EPÍLOGO Paulo Takeo Sano 120 GLOSSÁRIO BOTÂNICO

APRESENTAÇÃO Jalapão: uma escola Rebeca Viana

No dia em que as universidades aprenderem que elas não sabem, no dia em que as universi - dades toparem aprender as línguas indígenas – em vez de ensinar –, no dia em que as universi - dades toparem aprender a arquitetura indígena e toparem aprender para que servem as plantas da caatinga, no dia em que eles se dispuserem a aprender conosco como aprendemos um dia com eles, aí teremos uma confluência. (Mestre Antônio Bispo 1 ) Estamos construindo escritas próprias, rom - pendo a lógica comum de apenas “outros” es - crevendo sobre “nós” em diversos aspectos e razões. (Ana Mumbuca 2 )

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O Cerrado cuida da gente; a gente cuida do Cerrado. (dona Noemia Dotôra 3 )

capim-dourado, se propôs a trabalhar em conjunto com as comunidades artesãs. Desde então, um mundo de possibi - lidades e de aprendizados se abriu. A minha jornada nessa estrada tem início no mestrado, quando buscamos o diálo - go – em inspiração direta com a Pedagogia do Oprimido 8 - como forma de produzir conhecimento sobre o capim - -dourado e o buriti 9, 10 . Desde então, são mais de 10 anos de história incluindo muitos quilômetros rodados - de São Paulo (SP) à Mateiros (TO) -, um mestrado, um doutorado, os altos e baixos da vida, uma filha e, principalmente, um bocado de paciência e generosidade daqueles e daquelas que me receberam no Jalapão. Costumo brincar que tive, em minha formação acadêmi - ca, uma dupla-titulação: pela Universidade de São Paulo e pelos quilombos do Jalapão. Nessa última escola, pude (re) aprender o que, muitas vezes, escolhi fingir não saber para caber no ambiente acadêmico. O (re)aprendizado foi, prin - cipalmente, sobre ser consistente com quem eu sou e de onde venho; sobre ter paciência com o meu próprio tempo de elaboração; e sobre fazer do afeto uma bússola. Aprendi - não sem desencontros - sobre a centralidade do que Mestre Bispo nomeia “contratos feitos pela oralidade” 11 ; postura ética que meu pai – Paulo Viana, filho do sertão cearense – também me ensinou: “ser uma pessoa de palavra”.

E sta publicação celebra uma década de pesquisas realiza - das na região do Jalapão (TO), mais especificamente com a colaboração dos Quilombos Povoado do Prata e Mumbuca. O Jalapão abriga uma ampla área de Cerrado localizada, em maior parte, a leste do estado do Tocantins; mas, também, no Piauí, no Maranhão e na Bahia. A região – em particular, a Mumbuca - é o local de origem do artesanato de capim - -dourado 4 , arte que representa a relação de afeto e de cui - dados de seus habitantes com a paisagem e a biodiversidade nativa 5 . No Jalapão, também, ocorre uma complexa sobrepo - sição de projetos de país 6 , muito comum em outras porções do bioma Cerrado. Por um lado, há a delicada sobreposição de Unidades de Conservação aos territórios de Povos e Comunidades Tradicionais; por outro, a deletéria ampliação de fronteiras do agronegócio 7 . Por meio do “correntão”, des - troem-se as moradas do Cerrado - tanto de seres não huma - nos, quanto de seus Povos e pessoas - o que inclui memórias, infâncias, ancestralidades e produções criativas. Chegamos ao Jalapão por meio do professor Paulo Sano que, quando convidado a conhecer mais sobre o

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Aqui, o objetivo principal é oferecer algo que esteja à altura das pessoas sem as quais minha carreira, incluindo os títulos acadêmicos, não existiria. Não se pretende “dar voz” ou “falar sobre” o conhecimento ou saberes dos moradores da Mumbuca e do Prata. Muito menos, desvelar 12 ou ostentar qualquer tipo de “descoberta” sobre a biodiversidade ou acerca das relações interespécies que no Jalapão se costuram. A intenção é somar forças às propostas de construção de conhecimento que sejam éticas e comprometidas com as justiças e as diversidades no Cerrado. E que estejam dispostas a construir alianças leais o suficiente para sustentar-se diante dos tempos daqueles que não se submetem à tirania de Chronos 13 . Serão apresentados, em três capítulos, os resultados de projetos de pesquisa realizados dentro das abordagens de pesquisa participativa e da coprodução de conhecimento 14 . As pesquisas foram realizadas por pesquisadores e pesqui - sadora em diferentes momentos de sua formação acadêmi - ca como biólogos. O primeiro capítulo, O Cerrado das crian- ças do Jalapão , se refere ao trabalho de iniciação científica de Marco Faria 15 , cujo foco foi evidenciar as percepções das crianças do Quilombo Mumbuca e do Quilombo Povoado do Prata sobre o Cerrado. Para isso, buscou-se identificar espaços e elementos de brincadeiras por meio de desenhos das próprias crianças. A pesquisa foi realizada entre 2011

e 2012 e contou com a colaboração de professores e pro - fessoras de duas turmas de 3o., 4o. e 5o. anos da Escola Estadual Silvério Ribeiro de Matos e da Escola Municipal Miguel Rodrigues de Sousa. Ambas são escolas quilombolas; a primeira, está na Mumbuca e a segunda, no Povoado do Prata. Já em Saberes e Fazeres do Quilombo Mumbuca: ati - vidades de ensino desenvolvidas por professores da Escola Estadual Silverio Ribeiro Matos , Ronaldo Santos apresenta parte dos resultados do mestrado no qual, em colaboração com os docentes da Mumbuca, mediou a produção de uma série de sequências didáticas que iluminam e inspiram a in - trodução de perspectivas quilombolas ao contexto de sala de aula 16 . Já no último capítulo, Ensinando e aprendendo sobre o Cerrado: o olhar de jovens do Quilombo Mumbuca , apresento o ensaio de “imagens-narradas” sobre o Cerrado coproduzidas por jovens da Mumbuca durante minha pes - quisa de doutorado 17 . Jalapão: Cerrado Vivo , inclusive, é um produto idealizado por estas jovens e por suas mais velhas, que sonharam um livro. O título foi inspirado na criatividade de uma delas, Marta Larisa Tavares, quando solicitou que o conjunto de suas imagens fosse batizado “cerrado vivo”. O prefácio foi escrito por Ana Mumbuca, uma das mais importantes pensadoras de nossos tempos (e de outros tempos também). Ter suas palavras aqui é um privilégio e

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um reconhecimento valioso. Paulo Sano, em seu texto de posfácio, arremata as ideias, poesias e imagens do livro de forma afetuosa e didática. Com sua experiência - constru - ída por muitos quilômetros traçados em estrada de terra e horas em sala de aula - confere o ponto do que apresenta - mos com igual primazia à das doceiras que tanto admira. Por fim, firmamos os pés no chão que nos impulsiona – a Botânica - apresentando o Glossário Botânico , com infor - mações adicionais sobre espécies de plantas nativas ao Cerrado e mencionadas ao longo do livro: abacaxi-de-ra - posa, buriti, buritirana, cagaita, cajú, canela-de-ema, capim - -dourado, jatobá, macaúba, manga, murici, negramina, pau d’óleo, pequi, puçá e vassourinha. Desejo que as próximas páginas possam alargar a imagi - nação de quem as lê, inspirando possibilidades éticas e criati - vas para produção de conhecimentos sobre a biodiversidade.

Vida longa ao Cerrado e aos seus Quilombos!

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Notas e Referências: 1, 11 SANTOS, A. B. Somos da Terra. PISEAGRAMA , p. 44–51, 2018 2, 5 SILVA, A. C. M. Uma escrita contra-colonialista do Quilombo Mumbuca Jalapão-to . Brasília - DF: Universidade de Brasília, 2019. 3 Em conversas na sua casa, no Quilombo Mumbuca. Ano de 2023, nota minha. 4 O artesanato de capim-dourado é composto por duas plantas nativas do cerrado brasileiro: o capim-dourado ( Syngonanthus nitens ) - espécie de sempre-viva que ocorre nos campos úmidos - cujas hastes (escapos) são costuradas com as fibras extraídas das folhas jovens do buriti ( Mauritia flexuosa ), espécie de palmeira que ocorre em ambientes de vereda. 6 VIANA, R. O cerrado segundo jovens do Quilombo Mumbuca, Jalapão (TO): pesquisa participativa de base comunitária por meio de narrativas visuais . Tese de doutorado—São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019. 7 Forma de desmatamento no qual correntes são fixadas em dois tratores para arrancar de forma rápida a vegetação. 8 FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido . São Paulo: Paz e Terra, 2011. 9 VIANA, R. Diálogos possíveis entre saberes científicos e locais as - sociados ao capim-dourado e ao buriti na região do Jalapão, TO . Mestrado—São Paulo: Universidade de São Paulo, 2013.

10 VIANA, R.; SANO, P. T.; SCATENA, V. L. Pesquisa de campo como possibilidade de concretizar oportunidades de diálogo: experiências em duas comunidades artesãs do Japalão-TO. Revista Desenvolvimento Social , v. 13, p. 57–67, 2014. 12 Desvelar é, aqui, utilizado em referência direta ao conceito de opacidade do martinicano Édouard Glissant (2008) em sua obra Poéticas da Relação . Para o autor, o direito à opacidade funda - menta a Relação em Liberdade; nos resguarda das escolhas ir - reversíveis; nos distrai das verdade absolutas; e nos sensibiliza em relação “aos limites de qualquer método”. Considero que o conceito de opacidade pode ser interessante para o aprofun - damento teórico sobre o estabelecimento de relações éticas e descolonizadoras nas iniciativas coprodução de conhecimento. Fonte: GLISSANT, E. Pela opacidade. Revista Criação & Crítica, n. 1, 2008. 13 Em referência às elaborações de Leda Maria Martins sobre tempo e temporalidades. Para a autora, Chronos – pai dos tempos na mitologia grega - inaugura uma ideia tirânica de temporalidade-calendário no Ocidente no qual o tempo se divide em “agora e antes, hoje e amanhã, em instante e de - vires”(p. 25, 2021) e se expressa pela “sucessividade, pela substituição, por uma direção cujo horizonte é o futuro” (p. 25, 2021). Tal noção de tempo, para Martins, marca as ideias de progresso e razão da modernidade e, também, se diverge

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das especulações teóricas e experiências culturais sobre o tempo fundantes do pensamento filosófico africano. Fonte: MARTINS, L. M. Performances do tempo espiralar : poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021. 14 Apresentamos um aprofundamento teórico-metodológico do conceito de coprodução de conhecimento e sua relação com a pesquisa em biodiversidade no texto “Coprodução de co - nhecimento: janela (teórico-metodológica) para esperançar as diversidades botânicas no Brasil” (VIANA et al., 2022). 15 FARIA, M. A. F. Percepção ambiental das crianças do Jalapão (TO) sobre o Cerrado . Relatório de Iniciação Científica apre - sentado ao curso de Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo, 2012. 16 SANTOS, R. A. Saberes socioambientais associados à educação escolar quilombola na comunidade do Mumbuca, Jalapão-TO. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019. 17 VIANA, R. O cerrado segundo jovens do quilombo mumbuca, Jalapão (TO): pesquisa participativa de base comunitária por meio de narrativas visuais . tese de doutorado—São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019.

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PREFÁCIO Ana Mumbuca

primeiros a pisarem neste chão. Sempre existe o grande pu - xador das histórias, e cada uma carrega uma lição. Segredos são revelados, para que outros segredos permaneçam. Todos ficam de olhos atentos, pois só estamos vivos — desde quando nos trouxeram do nosso primeiro território, o africa - no — porque sabemos compartilhar jeitos de viver. Neste livro, a grande puxadora da vez é Rebeca Viana— uma tese que virou livro. Ao tempo em que pesquisava, também era pesquisada. Enquanto mapeavam as fitofisio - nomias do Cerrado, também marcávamos a sua fisionomia. Diferenciando-a pelas características: uma mulher negra, a primeira pesquisadora com pele e cabelo semelhantes aos nossos. Não é por acaso que o seu nome inspirou o nome de uma pessoa no Quilombo Mumbuca. Os outros dois organizadores: o querido Paulo Sano, o homem que fala através do olhar; e Ronaldo, o viajante do tempo entre Amazônia e Cerrado, como se pertencesse na - turalmente a ambos os universos. Nossos ancestrais aprenderam a manejar o solo arenoso para cultivar alimentos. As técnicas desenvolvidas na região são chamadas de Roças de Esgoto. Sabemos o significa - do de ser “remadores das areias”. Assim como alguém da Amazônia sabe remar nas águas, aqui no Cerrado do Jalapão desenvolvemos a técnica de remar nas areias. Mantemos

S into-me sem saber por onde começar esta escrita. Receber o convite para prefaciar este livro — o meu pri - meiro prefácio — me causou um muzuar de sentimentos. Com muito carinho, aceitei. Juntar letras, formar palavras e colocá-las para expressar as narrativas poéticas que este livro carrega também é um propósito ancestral. Lembro que, em determinada época do ano — especial - mente nos meses de junho e julho — acendemos as foguei - ras nas noites em que a cruviana chega ao Quilombo. São momentos de encontro ao redor do fogo, de alegria por viver e reviver histórias vividas e imaginadas, nestes e em outros tempos. Assamos batata, mandioca, carne seca e peixe, muitas vezes ao som da viola de buriti. Este livro, que agora chega às mãos dos leitores, também passou por esses momentos — uma construção compartilhada de saberes te - cidos, que virou livro. Em muitas dessas noites, ouvimos histórias velhas e novas ao sabor da quentura do fogo. São momentos únicos de tecer formas e estratégias de vida, inspirados nos animais — os

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2) A referência: Quem são os referenciais? Os lidos como analfabetos, os considerados irracionais? O conhecimento das crianças, dos jovens, dos velhos não escolarizados, dos macacos, dos burros, das formigas — eles devem fazer parte da narrativa, não como informantes, mas como protagonistas do saber. 3) Metodologia: De que jeito são feitas a pesquisa e o feitio que define o resultado? Primamos por com - partilhamento, onde quem pesquisa também é pes - quisado. É preciso permitir-se ser envolvido, assim como fomos envolvidos. Este livro é um convite contínuo a quem viaja pelo mundo das escritas e decide manter o envolvimento, a ponto de fazer com que “alguém” que não é da escrita compreenda e ressignifique esse universo. Na nossa concepção contra-colonial, o que se coloca em questão são as atitudes que geram movimentos práticos, afetivos e resolutivos. Com isso, rompe-se com o colonialis - mo e se fortalece a ancestralidade.

nosso modo de vida compartilhado e secreto, em comuni - cação com o que a natureza nos oferece — desde os plan - tios até a colheita dos frutos. Por gerações, os quilombos têm suas vidas registradas na fala. Sabemos de acontecimentos de gerações anterio - res por meio das memórias faladas. Este livro é um registro excepcional, que prova que também sabemos transformar palavras em escritas, rabiscos em desenhos, paisagens sig - nificativas em fotografias. Parabéns a todas as pessoas en - volvidas — este é um resultado indescritível. Sinto orgulho de nós, e a certeza de que, pedagogicamente, vamos chegar a outros biomas, outras culturas. Este livro é pura imagem poética de uma existência, que antes era inimaginável. O mais bonito é perceber, tanto no Prata quanto em Mumbuca, os olhares de dentro e os olhares dos organizadores — uma composição de visões que gera uma apoteose existencial. Temos persistido para viver o propósito que se materia - liza neste livro Jalapão: Cerrado Vivo . São três aspectos que buscamos, com muito esforço, garantir — em publicações sobre nós: 1) A concepção: Qual a cosmovisão que guia a obra? É colonial, descolonial, decolonial ou contra-colonial?

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O CERRADO DAS CRIANÇAS DO JALAPÃO Marco A. F. M. Faria, Osirene Francisca de Sousa, Leni Francisca de Sousa

O trabalho apresentado a seguir foi desenvolvido como projeto de Iniciação Científica entre 2011 e 2012 e orientado pelo professor do Instituto de Biociências da USP, Paulo Sano. No projeto, tínhamos como objetivos centrais: 1. Verificar e sistematizar as percepções das crianças mora - doras do Cerrado com relação a esse bioma, mais especifi - camente crianças das comunidades quilombolas Mumbuca e Prata; e 2. Produzir subsídios para o desenvolvimento de projetos de Educação Ambiental relacionados à conserva - ção do Cerrado no Jalapão. Em um primeiro momento, visitamos as comunida - des quilombolas juntamente com outros pesquisadores que já desenvolviam suas pesquisas na região há alguns anos. Esse primeiro encontro teve como objetivo conhe - cer as pessoas, as escolas, as professoras e as crianças. A partir daí, construímos a ideia da pesquisa pensando no que poderia ser útil também à comunidade, às escolas e às professoras tanto em termos de educação ambiental quanto de conservação do bioma Cerrado no Jalapão. O projeto seguiu com outras viagens ao Jalapão nas quais as atividades foram feitas diretamente com os 3ºs, 4ºs e 5ºs anos das escolas dos quilombos Mumbuca e Povoado do Prata. Todas as atividades foram realizadas somente após apresentação e acordo da direção e das respectivas

professoras das turmas. Além disso, um termo de consenti - mento de pesquisa foi compartilhado e acordado com esses responsáveis antes do desenvolvimento do projeto. As atividades com as crianças consistiam em uma verifi - cação de percepções sobre o bioma Cerrado e tinham seu início em um momento de conversa guiada por perguntas e tópicos centrais. Inicialmente, a conversa girava em torno do que fosse importante para as crianças em termos de suas brincadeiras favoritas e locais que gostavam de brincar. À medida que a conversa seguia, ela permitiu também que as crianças descrevessem quais eram os elementos e locais mais importantes para elas em seu cotidiano e suas brin - cadeiras. Nesse primeiro momento de conversa, os aspec - tos voltados à diversidade da flora do Cerrado, bem como elementos relacionados a ambientes com água, os “brejos” 1 , ganharam grande destaque. Em um segundo momento foi pedido que as crianças fizessem um desenho livre que poderia ou não ter relação com a nossa conversa anterior. À medida que os desenhos surgiam, as crianças realizavam sua descrição e, novamente,

1 Chamamos de brejo - dentro do contexto do Jalapão - ambien- tes aquáticos adjacentes às veredas, que por sua vez, são os locais de ocorrência dos buritis.

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destaques a elementos de flora voltaram a aparecer. Em mais da metade dos desenhos apareceram espécies de plantas características do Cerrado como pequi, caju, puçá, mangaba, buriti e macaúba. Posteriormente, iniciamos um novo tópico na nossa con - versa. Pedi que as crianças me contassem qual era o seu lugar favorito nas proximidades, ou seja, o lugar que elas mais gostassem de brincar e que, ao mesmo tempo, fosse capaz de me apresentar ao Cerrado. Expliquei às crian - ças que era necessário que fosse um lugar próximo e que, uma vez nele, eu pediria para elas que fizessem um novo desenho, dessa vez, representando o local escolhido. As crianças do quilombo Povoado do Prata elegeram, inicialmente, uma cachoeira, no entanto, devido à dificul - dade de acesso, optamos por um segundo plano, um “brejo” próximo às suas casas. É interessante notar que a escolha do ambiente girou ao redor da presença do elemento água, fator importante nos ambientes nos quais as crianças cos - tumam se divertir. O brejo escolhido para nossa atividade era um local muito recorrente nas brincadeiras das crianças, de modo que chegando lá isso se tornou ainda mais eviden - te. As crianças, em meio às brincadeiras, fizeram os dese - nhos e os descreveram à medida que conversavam comigo. Os elementos de flora ganharam novo destaque inclusive de

forma nominal e específica para algumas espécies de plantas, sobretudo quando se tratava de plantas que eram utilizadas no dia-a-dia das crianças e das comunidades como um todo. Alguns exemplos dessas plantas são os próprios buritis e o pequi que já haviam aparecido nos registros anteriores. As crianças do quilombo Mumbuca escolheram as proxi - midades da casa de um dos moradores da comunidade. O as - pecto principal da escolha girou em torno de um pé de jatobá caído que era um elemento central nas brincadeiras das crianças. Além do pé de jatobá, destacaram-se outros dois elementos, um ninho de passarinho com alguns filhotes que havia sido feito próximo à casa e um pé de cagaita do qual as crianças aproveitavam seus frutos, caídos no chão, em meio aos momentos de brincadeiras. Nos desenhos produzidos, houve novo destaque a elementos de flora do Cerrado. O pé de cagaita apareceu em todos os desenhos e o Jatobá na maioria deles. Novamente pude notar um olhar específico às plantas que são utilizadas no cotidiano das crianças. Desse modo, em ambas comunidades, os desenhos representaram elementos da flora do Cerrado como centrais tanto às brincadeiras, quanto à aprendizagem de atividades dos adultos, por exemplo, a construção de telhados das suas casas para o qual a folha seca do buriti é elemento essencial.

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Considerando que as crianças observam e representam os elementos que se destacam na sua percepção, podemos concluir que os desenhos são uma excelente ferramenta para compreender um pouco do seu olhar, também em

relação ao seu espaço e, portanto, ganham força como ferramenta no que se refere, também, às possibilidades de conservação de biomas com riqueza e diversidade biológica e cultural, como a do Cerrado.

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23 Figura 1: Exemplares dos desenhos produzidos pelas crianças da Escola Estadual Silvério Ribeiro Matos, no quilombo Mumbuca. O local de brincadeira escolhido foi o quintal do “Valdir”, com destaque para o tronco de jatobá caído (fonte de muitas brincadeiras) e para o pé de cagaita carregado de frutos.

24 Figura 2: Exemplares dos desenhos produzidos pelas crianças da Escola do Prata, no quilombo Povoado do Prata. O local de brincadeira escolhido foi um brejo próximo às residências, com representações de buriti, pé de manga, cajarana, pé de ingá, pé de pequi e “piabinhas”.

SABERES E FAZERES QUILOMBOLAS: UM MANUAL DE ATIVIDADES DE ENSINO DESENVOLVIDO POR PROFESSORES DA ESCOLA ESTADUAL SILVERIO RIBEIRO MATOS, QUILOMBO MUMBUCA, JALAPÃO (TO)

Ronaldo Andrade da Silva, Marcia Francisco Silva, Sivaldo Neres dos Anjos, Raimunda Pereira Lisboa

(...) Faz parte das condições em que apren - der criticamente é possível, a pressuposição por parte dos educandos de que o educador já teve ou continua tendo experiência da produção de certos saberes e que estes não podem a eles, os educandos, ser simplesmente transferidos. Pelo contrário, nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da cons - trução e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo. Só assim podemos falar realmente de saber ensinado, em que o objeto ensinado é apreendido na sua razão de ser e, portanto, aprendido pelos educandos” (Paulo Freire 1 )

com grande expectativa a tarefa de conduzir uma pesquisa em coprodução com educadores de um contexto político tão importante nacionalmente. O acontecimento principal da pesquisa que resultou neste conjunto de atividades de ensino que será apresen - tado a seguir, é o da inserção na grade curricular da Escola Estadual Silverio Ribeiro Matos , localizada no quilombo Mumbuca, Jalapão/TO, do componente curricular denomi - nado “Saberes e Fazeres Quilombolas”. Entre os anos 2017 e 2019, as professoras Marcia Silva, Raimunda Lisboa e o professor Sivaldo Neres desenvolveram sua prática docente em torno da disciplina sob os desafios de inserir no contex - to escolar os saberes coletivos do quilombo em que a escola está inserida. Em nossa primeira reunião de planejamento para a cria - ção de uma questão de pesquisa coletiva, os professores sugeriram de pronto que o tema principal fosse a referida disciplina, as suas dinâmicas de ensino-aprendizagem que seriam desenvolvidas e os temas de interesse abordados. No decorrer do desenvolvimento do trabalho, que contou com o acompanhamento da dinâmica de sala de aula por meio de uma observação participante e o encontro para a condução de entrevistas semi-estruturadas, conseguimos elaborar uma série de reflexões sobre as possibilidades de associação entre os saberes quilombolas ensinados na

N o ano de 2017, quando ingressei no mestrado em Ensino de Botânica na Universidade de São Paulo, sob orientação do professor Paulo Sano, me vi em uma situação de entusiasmo diante da possibilidade de trabalhar questões socioambientais junto a professores e professoras quilom - bolas no Jalapão. Após ter acumulado alguma experiência no âmbito da formação de professores em projetos educa - cionais pelo Brasil e ter um interesse pessoal em discutir as dimensões sociais e raciais do Ensino de Biologia, assumi

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disciplina e uma educação em biodiversidade no Cerrado tendo o quilombo como ponto de vista central. A dissertação intitulada “Saberes Socioambientais asso - ciados à Educação Escolar Quilombola na Comunidade do Mumbuca, Jalapão/TO” 2 é um dos produtos desta intera - ção. Nela, objetivamos i. diagnosticar a realidade educacio - nal apresentada com a inserção da nova disciplina, discu - tindo os aspectos associados a Educação Ambiental Crítica e a Educação Popular Quilombola, transpondo aqueles puramente biológicos da biodiversidade; e ii. sistematizar práticas educativas na interface escola-comunidade que dialoguem com questões socioambientais locais. As entrevistas semi-estruturadas transcritas produ - ziram um rico material que foi sistematizado usando a técnica conhecida como Análise Textual Discursiva 3 , a partir da compreensão do grupo de professores como um coletivo de pensamento portador de determinado Estilo de Pensamento 4 cujas reflexões dialogam com diferentes Correntes de Educação Ambiental apontadas pela pesqui - sadora canadense Sauvé 5 . Assumimos que os professores destacam em sua práxis pedagógica um estilo de pensamento crítico-transformador 6 que pôde ser associado as correntes etnográfica, práxica, humanista e conservacionista da Educação Ambiental 7 . Em um sentido mais amplo, a práxis pedagógica dos professores

elabora um saber ambiental 8 que articula as dinâmicas so - cioambientais presentes na interface social entre escola e comunidade. Contudo, para além dos objetivos da pesquisa em si, res - salto aqui que o sentido de coprodução de conhecimento em Educação em Biodiversidade nos forneceu a compre - ensão de que o andamento de uma pesquisa pode ser um instrumento educativo e formativo para todos os partici - pantes. A pesquisa, portanto, por ter assumido um caráter colaborativo e co-participativo, almejou igualmente que os resultados alcançados fossem capazes de atender as de - mandas dos diferentes sujeitos participantes. Uma dessas demandas foi a criação de atividades de ensino que pudessem ser úteis ao trabalho na disciplina em anos posteriores, ou ainda que, porventura, a disciplina seja excluída do currículo oficial, as reflexões produzidas conti - nuem a ser úteis para a rotina escolar. Tais atividades são as apresentadas nesta publicação. Foi necessário interagir com os docentes da escola em variadas situações - desde as baseadas na atuação em sala de aula, quanto aquelas coti - dianas, a fim de identificar em suas práticas pedagógicas, e em sua rotina, as sintonias com a temática socioambiental ligada ao Cerrado e as identidades sociais do Quilombo. Estimo que os resultados e a metodologia da pes - quisa adotadas sejam úteis ao processo formativo de

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pesquisadores, professores e estudantes, permitindo que os diferentes sujeitos participantes tenham seus anseios con - templados e, de igual forma, que a sistematização destas atividades de ensino permita a implementação e avaliação no decorrer dos próximos anos em novos projetos de pes - quisa, ou individualmente por cada professor participante, a fim de melhoria da educação quilombola oferecida aos es - tudantes de Mumbuca e/ou de outras quilombos ao redor. Desejo com a apresentação deste manual consolidar a elaboração de um saber ambiental local, produzido coleti - vamente conforme, conforme conceituado por Henrique Leff “ que implique não somente em aprender fatos novos, mas que subsidie a preparação pedagógica de reapropriação de conhecimentos do ser no mundo, dos saberes de sua identida - de que são continuamente produzidos e incorporados a cada indivíduo, em cada cultura. Em que o próprio ser dialoga com seus sentidos e verdade, volta-se para seu entorno, cultura e história, a fim de recriar e reapropriar-se do mundo por meio do reconhecimento de seu próprio conhecimento. ” 9 . Notas e Referências

2 SANTOS, R. A. Saberes socioambientais associados à educação escolar quilombola na comunidade do Mumbuca, Jalapão-TO. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019. 3 MORAES, P. & GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva: processo reconstrutivo de múltiplas faces. Ciência e Educação , v. 12, n. 1, p. 117-128, 2006. 4 FLECK, L. La génesis y el desarrollo em um hecho científico : intro - dución a la teoria del estilo de pensamento y del colectivo de pensamento. Madri: Alianza, 1986. 5, 7 SAUVÉ, L. Uma cartografia de corrientes en educación am - biental. In: Sato, M. C. (org). A pesquisa em educação ambien - tal: cartografias de uma identidade em formação . Porto Alegre: ArtMed, 2009. 6 LORENZETTI, L; DELIZOICOV, D. Estilos de pensamento em educação ambiental: uma análise das dissertações e teses. VII ENPEC – Encontro Nacional de Educação em Ciências. Florianópolis, 2009. 8 LEFF, E. Pensar a complexidade ambiental . São Paulo: Cortez, 2003. 9 LEFF, E. Saber ambiental: sustentabilidade, racionalidade, com - plexidade, poder. Petrópolis: Vozes, 2001.

1 FREIRE, P. Pedagogia da autonomia : saberes necessários à prá - tica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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Atividade I -Roça de esgoto/toco Docente proponente: Raimunda Pereira Lisboa & Márcia Francisca Silva Assuntos: 1) Plantas cultivadas nesse tipo de roçado (batata, feijão, gergelim, maxixe, banana, abóbora e mandioca); 2) Tipo de “terra” utilizada nesse roçado; 3) Períodos de tempo para plantio de cada espécie entre estação seca e chuvosa; 4) Conceito de “rego” ou canal de drenagem da água utilizada no roçado.

Primeiro momento: Em aula anterior à visita ao roçado, dis - cutir em sala de aula a seguinte questão: “O que os estudan - tes pensam sobre a importância da roça de esgoto?” e solici - tar que escrevam uma redação sobre a discussão realizada. Segundo momento: Visita propriamente dita e discussão coletiva dos assuntos apresentados acima, com a participa - ção da proprietária da roça estudada. Terceiro momento: Em sala de aula novamente, discutir com o grupo sobre o que aprenderam e as informações que acharam mais interessantes durante a visita. Dar enfoque nessa discussão sobre a importância que a roça de esgoto assumiu para as pessoas pioneiras na comunidade, que não tinham acesso a vários bens hoje disponíveis para as atuais gerações, como transporte, supermercados, energia elétrica etc. Pedir que escrevam sobre essas reflexões.

Contexto na comunidade: A roça, objeto de estudo, é pro - priedade dos familiares da docente. A proprietária do roçado seria entrevistada pelos estudantes sobre as ques - tões acima mencionadas.

Público: Estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental

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Atividade II - Conservação socioambiental Docente proponente: Sivaldo Neres dos Anjos

Assuntos:

natural e as principais plantas e animais encontrados ao longo do caminho, até a chegada do grupo na nascente do Rio Sono. Ao longo do percurso, os estudantes devem realizar o registro fotográfico das espécies encontradas e entrevistar os moradores locais sobre o tema “preservação do rio”, a fim de obter informações sobre a preservação de rios e nascentes. Terceiro momento: Em sala, organizar o material produ - zido pelos estudantes (fotos e entrevistas). As entrevis - tas devem responder às seguintes questões: (1) origem das pessoas nas comunidades visitadas, a saber, Comunidades do Prata e do Carrapato; (2) os meios de subsistência dos entrevistados; (3) o que significou nas suas vidas a criação do Parque Estadual do Jalapão e (4) o que devemos fazer para preservar as nascentes de rios da região?

1) Conservação ambiental; 2) Consumo de recursos hídricos da comunidade; 3) Plantas e animais do cerrado.

Contexto na Comunidade: Arredores da nascente do Rio Sono.

Público: Estudantes do 8º ano do Ensino Fundamental

Primeiro momento: Discussão com os estudantes sobre o tema da atividade prática e da relação estabelecida pela comunidade com a conservação ambiental e os usos de re - cursos hídricos locais. Segundo momento: Caminhada com os estudantes ao redor da comunidade para estimular a observação do ambiente

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Atividade III - Instrumentos de trabalho no campo Docente proponente: Márcia Francisca Silva Assuntos/Instrumentos:

Primeiro momento: Os estudantes e professores pesqui - sariam entre os comunitários quais são as pessoas que possuem as habilidades de confecção dos instrumentos citados; remetendo aos seus círculos familiares íntimos e elaborando uma lista de recursos materiais necessários para a confecção e exposição dos utensílios. Segundo momento: Os estudantes responsabilizam-se pela busca dos materiais para a atividade e os professores organi - zam, no cronograma da disciplina, o espaço e os momentos adequados para o evento planejado. Durante o evento, os comunitários convidados produzem e/ou expõem os utensí - lios que fabricam e explicam aos estudantes sobre a impor - tância dos mesmos em sua relação com a cultura quilombola. Terceiro momento: Após a exposição, realizar uma discus - são em sala sobre os instrumentos de trabalho apresenta - dos e discutir questões ligadas à preservação da memória comunitária e ao uso de elementos naturais do Cerrado na facilitação da vida em comunidade.

1) Tapiti; 2) Cofo; 3) Balaio; 4) Esteira; 5) Viola de vereda.

Contexto na Comunidade: A confecção de instrumentos de trabalho articula as habilidades de determinados comuni - tários na produção desses utensílios e os assuntos que são trabalhados na disciplina escolar. Os comunitários são con - vidados a expor suas habilidades no preparo dos instrumen - tos, para os alunos, no contexto escolar, estabelecendo uma associação entre saberes comunitários, uso de biodiversida - de e questões práticas ligadas ao trabalho como mediação ser humano/cultura/meio ambiente. Público: Estudantes da primeira etapa do Ensino Funda - mental, o chamado Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano).

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Atividade IV - “Caixinha de segredos” Docente proponente: Raimunda Pereira Lisboa

Assunto: Confecção de brinquedo a partir da palha do Coco Piaçava. Contexto na comunidade: Essa atividade prática tem re - lação intrínseca com a história pessoal da educadora pro - ponente e as questões ligadas ao brinquedo infantil que aprendeu com seus pais. Pode-se fazer uma articulação com os brinquedos que as crianças na comunidade mais utilizam atualmente e a relação desses brinquedos com o ambiente social e natural que estão inseridos. Público: Estudantes da primeira etapa do Ensino Funda - mental, o chamado Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano). Primeiro momento: Confecção, pela professora e seus estudantes, em sala de aula, da “Caixinha de Segredos”;

um brinquedo produzido a partir de três palhas do coco piaçava, em formato trançado, onde é possível inserir em seu interior pequenos grãos (pedra, feijões, arroz, etc.) para produzir sonoridade semelhante a um chocalho. Segundo momento: Discutir com os estudantes quais são as brincadeiras atuais que eles praticam, individualmente e coletivamente, permitindo traçar um paralelo entre o uni - verso do brincar que a educadora experimentou na infância e o das novas gerações. Terceiro momento: Estimular os estudantes a demonstrar as brincadeiras que praticam atualmente, e discutir qual a relação dessa brincadeira com o aprendizado em família e com os usos de elementos da natureza.

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Atividade V - “Dunas” - ponto turístico da região Docente proponente: Sivaldo Neres dos Anjos Assuntos: 1) Tipos de solo presentes no Cerrado; 2) Conservação ambiental; 3) Legislação ambiental associada ao Cerrado.

cachoeiras, comunidades e dunas) e discutir sobre o pertenci - mento geográfico da comunidade a estes lugares, incluindo a importância das práticas de conservação ambiental e a possi - bilidade de valorização da identidade cultural regional aliada ao conhecimento sobre estes locais. Planejar a visita às dunas utilizando o transporte escolar para chegar à região. Segundo momento: Durante a visita, estimular os estudan - tes a fotografarem o lugar visitado, seus elementos caracte - rísticos e os detalhes que lhes causarem questionamentos. Em grupo, no momento da visita, expor aos alunos o pro - cesso físico de formação das Dunas e a ação dos órgãos e entidades locais na conservação ambiental da região. Terceiro momento: Em sala, retomar as questões elabora - das pelos estudantes discutindo suas dúvidas e impressões sobre a visita. Solicitar que os estudantes produzam um texto, utilizando como estímulo as fotografias tiradas por eles, que represente seus aprendizados durante a visita.

Contexto na comunidade: Atividade prática de “aula pas - seio” com os estudantes à região das dunas, estimula a valorização dos pontos turísticos da Região do Jalapão, em alguma medida desconhecidos pelos próprios comunitá - rios. A atividade gira em torno da visita ao espaço, discussão sobre o pertencimento geográfico das pessoas ao território que abriga uma Unidade de Conservação e abordagem dos assuntos mencionados no item acima.

Público: Estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental

Primeiro momento: Conversar com os estudantes sobre os principais pontos turísticos presentes no Jalapão (fervedouros,

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Atividade VI - Alimentação quilombola e os frutos do Cerrado Docente proponente: Márcia Francisca Silva Assuntos: pergunta: De que forma os frutos presentes do Cerrado fazem parte da vida do nosso povo? Os estudantes devem registrar as respostas dos familiares entrevistados.

1) Diversidade de frutos do Cerrado; 2) Saberes e Fazeres Socioambientais; 3) Alimentação quilombola.

Segundo momento: Em seguida, na mediação pedagógica em sala de aula, o educador solicita que os estudantes apre - sentem os resultados de suas pesquisas e comparem suas respostas com as obtidas por outros colegas de classe, a fim de reconhecer os padrões que demarcam o coletivo comuni - tário sobre essa temática. Ao final da atividade, o educador argumenta com os estudantes sobre a relação entre alimen - tação quilombola e elementos da biodiversidade do Cerrado. Terceiro momento: Por fim, organiza-se, entre professores e estudantes, uma exposição, fora da escola, com os frutos que foram citados na fase de entrevistas. Os estudantes podem apresentar às outras turmas, aos professores e aos convidados na comunidade, as aprendizagens construídas no decorrer da atividade, aproveitando para, por meio da oralidade, estabelecer um diálogo entre as aprendizagens nos seus círculos familiares e as formais escolares.

Contexto na comunidade: Essa atividade articulada com a biodiversidade do Cerrado e abrange o contexto cotidiano comunitário e o conjunto de saberes familiares a respeito dos usos de biodiversidade vegetal na região, estabelecen - do um elo entre os saberes científicos associados à alimen - tação, ecológicos associados ao manejo de frutos, e identi - tários associados ao contexto familiar local. Público: Estudantes entre o 6º e 9º anos do Ensino Fundamental. Primeiro momento: Solicitar que os estudantes pesquisem entre os seus familiares sobre a relação estabelecida com os frutos do Cerrado, incluindo informações desde os as - pectos nutricionais, médicos, afetivos etc. Como proposta de investigação, os estudantes podem realizar a seguinte

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ENSINANDO E APRENDENDO SOBRE O CERRADO: O OLHAR DE JOVENS DO QUILOMBO MUMBUCA (TO) Rebeca Viana, Alisneia Ribeiro da Silva, Daniela Rodrigues, Eloides Tavares da Silva, Geissiane Ribeiro da Silva, Givoene Matos da Silva, Iana Tavares, Leiliane Barbosa da Silva, Luzane Ribeiro Xavier, Marta Lariza Tavares, Nubia Matos, Safira Ribeiro da Silva, Sirlene Matos da Silva, Silas Matos da Silva, Taiane Gomes Ribeiro, Marijane Ribeiro da Silva

de jovens do Quilombo Mumbuca sobre o Cerrado por meio da produção de fotografias autorais e narrativas associadas. Este é um método participativo de pesquisa que, na litera - tura acadêmica, é chamado de fotovoz 2 . Iniciamos, então, um trabalho intenso de engajamento que incluiu, em 8 viagens a campo, muitas rodas de conversa; a produção de um protocolo colaborativo de ética na pesqui - sa, quando as participantes decidiram seriam nomeadas co- -pesquisadoras ; oficinas preparatórias; um projeto piloto; e, finalmente, em janeiro de 2016, as expedições fotográficas que resultaram na narrativa visual aqui apresentada. Durante o processo da pesquisa, percebemos a necessidade de trazer algum recurso que permitisse um fluxo contínuo e individual de reflexões sobre o Cerrado. Desenvolvemos, então, o que apelidamos de caderninhos , fortemente inspiradas no que academicamente chama-se de diários solicitados 3 . Partimos de uma demanda local relacionada ao treino das habilidades de escrita que se revelou inovadora como espaço individual de auto-reflexão. Ou seja, o conjunto de imagens-narradas 4 a seguir é parte de um intenso processo de elaboração sobre o Cerrado tecido de forma compartilhada e artesanal. As imagens foram captadas por 13 co-pesquisadoras e 1 co-pesquisador no chuvoso mês de Janeiro. Nessa oca - sião, as câmeras fotográficas 5 disponíveis ao projeto foram

cer.ra.do 2 1. fechado 2. apertado 3. encoberto de nuvens 4. espesso; compacto 5. mata de vegetação herbácea e árvores pequenas, tortuosas e de casca grossa, típica do planalto central O trabalho a seguir foi desenvolvido como um proje - to para doutoramento, realizado entre 2015 e 2019. Vínhamos de uma jornada anterior de pesquisa de mestrado junto ao Quilombo Mumbuca e, nesse momento, rascunhá - vamos duas propostas: (i) continuar a conhecer o Cerrado a partir das perspectivas quilombolas e (i) nos aprofundar em ferramentas e habilidades específicas para compartilhar o fazer da pesquisa e educação em biodiversidade. A partir daí, iniciamos a trajetória com quem mais tínhamos contato: as mais velhas que, então, nos forneceram um recorte. O projeto deveria ser realizado com jovens 1 do Quilombo. De minha parte, já havia um interesse em aprofundar sobre a perspectiva da produção de imagens como ferramenta de pesquisa; nas rodas de conversa iniciais, percebemos que a fotografia era um interesse compartilhado. O projeto se de - lineou, a partir daí, à proposta de centralizar a perspectiva

2 As definições que antecedem cada subitem deste ensaio foram retiradas do “Minidicionário Houaiss da Língua Portuguesa”. 3a. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008

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