PREFÁCIO Ana Mumbuca
primeiros a pisarem neste chão. Sempre existe o grande pu - xador das histórias, e cada uma carrega uma lição. Segredos são revelados, para que outros segredos permaneçam. Todos ficam de olhos atentos, pois só estamos vivos — desde quando nos trouxeram do nosso primeiro território, o africa - no — porque sabemos compartilhar jeitos de viver. Neste livro, a grande puxadora da vez é Rebeca Viana— uma tese que virou livro. Ao tempo em que pesquisava, também era pesquisada. Enquanto mapeavam as fitofisio - nomias do Cerrado, também marcávamos a sua fisionomia. Diferenciando-a pelas características: uma mulher negra, a primeira pesquisadora com pele e cabelo semelhantes aos nossos. Não é por acaso que o seu nome inspirou o nome de uma pessoa no Quilombo Mumbuca. Os outros dois organizadores: o querido Paulo Sano, o homem que fala através do olhar; e Ronaldo, o viajante do tempo entre Amazônia e Cerrado, como se pertencesse na - turalmente a ambos os universos. Nossos ancestrais aprenderam a manejar o solo arenoso para cultivar alimentos. As técnicas desenvolvidas na região são chamadas de Roças de Esgoto. Sabemos o significa - do de ser “remadores das areias”. Assim como alguém da Amazônia sabe remar nas águas, aqui no Cerrado do Jalapão desenvolvemos a técnica de remar nas areias. Mantemos
S into-me sem saber por onde começar esta escrita. Receber o convite para prefaciar este livro — o meu pri - meiro prefácio — me causou um muzuar de sentimentos. Com muito carinho, aceitei. Juntar letras, formar palavras e colocá-las para expressar as narrativas poéticas que este livro carrega também é um propósito ancestral. Lembro que, em determinada época do ano — especial - mente nos meses de junho e julho — acendemos as foguei - ras nas noites em que a cruviana chega ao Quilombo. São momentos de encontro ao redor do fogo, de alegria por viver e reviver histórias vividas e imaginadas, nestes e em outros tempos. Assamos batata, mandioca, carne seca e peixe, muitas vezes ao som da viola de buriti. Este livro, que agora chega às mãos dos leitores, também passou por esses momentos — uma construção compartilhada de saberes te - cidos, que virou livro. Em muitas dessas noites, ouvimos histórias velhas e novas ao sabor da quentura do fogo. São momentos únicos de tecer formas e estratégias de vida, inspirados nos animais — os
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