Grande Consumo N.º 93

bebidas

N.93

“Há uma imagem que tenho dele, numa vinha, com a cabeça baixa, a trabalhar sob um sol escaldante de verão, a ver planta a planta, para entender porque as vinhas não cresciam. A vinha foi arrancada porque estava, na altura, numa zona onde a terra era pobre. Era impressionante”

comum na época. Mudou-se para os Estados Uni- dos, onde enfrentou barreiras relacionadas com o idioma e dificuldades burocráticas, e passou seis meses a aprender inglês numa faculdade no Con- necticut. Mais tarde, cruzou o país até à costa oeste. “Fui para uma faculdade muito pequena, na Califórnia, mesmo a norte de Stanford, com cerca de três mil alunos, onde fiz as disciplinas de química, física e matemática, tudo o que era obrigatório para, depois, ingressar no cur - so de enologia e viticultura na Universidade Davis” , ex- plica. “Em Davis, também pedi autorização para tirar cadeiras de pós-graduação para PhD. Queria tirar todas as cadeiras possíveis, porque a minha ideia era, acaban - do o curso, trabalhar naquilo que é meu” . Cultura do vinho em Portugal Domingos Soares Franco foi um dos pioneiros na introdução do conhecimento científico rigoroso e da inovação tecnológica em Portugal. Quando che- gou à empresa da família, no início da carreira, ha- via muitos “técnicos de enologia” que conheciam o processo empírico, mas poucos enólogos formados com base científica sólida, ou seja, de química, bio - química, genética, física, matemática e viticultura. “Além disso, era importante saber trabalhar com as má - quinas e isso aprende-se lá fora. Por exemplo, olhava para um filtro e via que os manómetros não funcionavam, não

podia ser assim. Portugal estava muito atrasado, estava décadas atrás, em enologia e viticultura” . Porque nem tudo é previsível na natureza, ao longo dos anos, Domingos Soares Franco experi- mentou vindimas muito distintas. Para o enólogo, as vindimas nunca são iguais, pois cada ano traz condições únicas, desafios novos e resultados sur - preendentes. Uma das vindimas que mais o marcaram foi a de 1983, ano particularmente difícil, em que a chuva constante arruinou quase toda a colheita, trazendo uvas podres e vinho de baixa qualidade. Naquela al- tura, a tecnologia de tratamento e a filtração ainda eram muito rudimentares, recorda, pois não exis- tiam as soluções enzimáticas modernas. Por outro lado, a vindima de 2011 foi uma “celebração da exce - lência”. Recorda-se vividamente da qualidade exce- cional da uva logo no primeiro dia. “Para mim, foi a vindima mais espetacular que se fez a nível nacional” . Essa comparação entre os extremos mostra o crescimento da capacidade técnica e o amadu- recimento da viticultura portuguesa, que soube superar anos difíceis para alcançar a excelência. Não obstante, o enólogo frisa que Portugal come- çou pelo caminho errado, investindo primeiro na enologia em vez de na viticultura. Isso criou uma dispersão eclética e pouco eficaz de castas por todo

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