Grande Consumo N.º 93

bebidas

N.93

Quadraginta: celebrar 40 vindimas Quadraginta é mais do que um vinho: é a materia- lização de uma visão que levou 40 anos a maturar. O projeto nasceu como celebração de quatro déca- das de dedicação à vitivinicultura. Mais do que uma homenagem ao passado, é a expressão de um ideal pessoal e intemporal; o vinho que Domingos Soares Franco sempre quis fazer, sem concessões. “Produzi muitos vinhos de topo ao longo da minha vida. Vinhos que representavam o meu presente e aquilo que eu penso no momento. Mas nunca tive oportunidade de produzir um vinho que simbolizasse o futuro” , explica. Quadraginta nasce, assim, como um vinho pensa- do sem pressão comercial, capaz de antecipar o que virá. A origem remonta a 2017, quando criou discre- tamente um lote de vinho tinto, que engarrafou em segredo e guardou em casa, apelidando-o simples- mente de “T”. A ideia de um vinho excecional já tinha ante- cedentes. Em 1998, começara a fazer experiências com moscatéis, interrompendo a fermentação com aguardentes brancas importadas de França — co- nhaque e armanhaque — que, apesar de serem pou- co apelativas ao consumo, ofereciam característi- cas técnicas singulares. Curioso em explorar novas possibilidades, criou lotes com diferentes propor- ções entre as duas aguardentes. Em 1998 fez 50/50, em 1999 alterou para 70% de armanhaque e 30% de conhaque. Em 2000, voltou a tentar. Foram vinhos inovadores, mas deixados de lado devido ao custo e ao receio da receção do mercado. Foi durante a pandemia que se lembrou dos três moscatéis e o resultado surpreendeu-o. “Quando voltei a provar o Moscatel de 98 e os de 99, após 20 anos, achei-os extraordinários. O de 98 é o melhor moscatel que fiz até hoje” . Pelo que decidiu guardá-lo para algo especial, culminando como parte da trilogia Qua- draginta. O de 1999, por sua vez, foi lançado como Colecção Privada DSF Sole 1999, com sucesso ime- diato. O componente branco do Quadraginta nasce de uma vinha de Riesling no Douro, uma casta pouco comum em Portugal, mas que Domingos Soares Franco sempre admirou. Após várias tentativas, em 2021, conseguiu finalmente adquirir uvas des - sa vinha. Estas foram transportadas de noite, para preservar a frescura e as características da casta. “Adorei o vinho. Gostei muito dessa vindima. Fiz o lote das castas, sem saber o que é que ia fazer aos vinhos” . O vinho, tal como os outros dois, foi elaborado sem um destino pré-definido, até se encaixar no concei - to do Quadraginta. Em 2022, a ideia ganhou forma. Três vinhos — um branco, um tinto e um moscatel — para criar um conjunto comemorativo de quatro décadas de trabalho. Faltava apenas o nome. Foi numa conver- sa com um amigo advogado que surgiu a proposta: Quadraginta, que em latim significa quarenta. Um exercício de paciência e visão. “Os vinhos vão evoluir.

O branco vai atingir o seu máximo daqui a 15 anos. O tinto daqui a 20, mas com um conceito completamento diferente” . Futuro do vinho português Com um olhar realista e apaixonado, Domingos Soares Franco vê em Portugal um país com um potencial imenso por explorar, mas também com riscos sérios que não podem ser ignorados. Na sua perspetiva, tem “um enorme potencial para mostrar que tem qualidade” , desde que se aposte firmemente nas castas nacionais. Essa aposta, reconhece, é cada vez mais difícil de concretizar, numa altura em que o mercado está “invadido” por castas estrangeiras que ocupam o es- paço nas prateleiras e confundem a identidade vi- nícola nacional. Adicionalmente, o enólogo rejeita triunfalis- mos. Lembra que Portugal tem vinhos extraordi- nários, mas não pode cair na armadilha de pensar que são os melhores do mundo. “Nem de perto nem de longe temos os melhores vinhos do mundo”, afirma. “Há vinhos tão bons como os nossos, ou melhores, em muitos outros lugares. Mas temos uma qualidade notá - vel e, se olharmos com olhos de ver, podemos dar muito ao mundo” . A sua relação com o Moscatel de Setúbal é antiga e profundamente emocional. Vê este vinho como o “primo pobre” dos generosos portugueses, ao lado do Vinho de Carcavelos, apenas sustentado por resis- tências individuais e autárquicas, que ajudaram a preservar a bebida. “Durante toda a minha vida, ten - tei apresentar, lá fora e cá dentro, o Moscatel. As nossas distribuidoras importadoras também. Não é um trabalho inglório. Ainda estamos a semear e há de chegar a altura em que vamos colher os frutos” . A frustração vem do pouco reconhecimento in- ternacional. Lá fora, quando se fala em moscatel, poucos sabem o que é, mas quando provam, ficam rendidos. Falta continuidade, estratégia e concor- rência dentro da própria região para estimular ino- vação, sublinha o enólogo. Homem de inovação, Domingos Soares Franco não esconde que muito do que trouxe para Portugal aprendeu fora. Foi buscar técnicas e ideias a Fran- ça, Austrália e outros países onde a partilha e a ex- perimentação fazem parte do quotidiano do sector. “Aqui, é segredo dos avós” , diz. Apesar de tudo, mantém-se otimista. Não por in- genuidade, mas porque acredita verdadeiramente no valor da terra, das castas, da história e do saber português. O caminho não é fácil, mas há um mun- do à espera de descobrir o que Portugal pode ofere- cer — se for capaz de mostrar, com autenticidade, o que o torna único.

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