Grande Consumo N.º 93

retalho

N.93

A estrela inesperada da Magalu chama-se Lu. Não é CEO, não gere nenhuma loja e não aparece em reu- niões. Mas tem 35 milhões de seguidores e é, pro- vavelmente, a funcionária mais eficaz da empresa. Criada como avatar, alimentada por inteligência artificial (IA) e desenvolvida em colaboração com a Google, a Lu é mais do que um rosto simpático: é uma estratégia. Atua como influenciadora, agente de serviço ao cliente e extensão emocional da mar- ca. Não está só nas redes: está nas campanhas, nas conversas e na cultura da Magalu. Frederico Trajano, CEO da Magalu, explicou em Londres como a Lu ajudou a criar proximidade em escala: num mercado onde 70% das vendas é e-com- merce , a diferença não está em vender online , mas em vender com vínculo. E esse vínculo não se cria com tecnologia apenas. Cria-se com empatia. É esta a grande mudança que atravessou o World Retail Congress 2025, um congresso onde não se ce- lebrou a próxima grande ferramenta, mas a cons- ciência com que se usa a tecnologia. Onde se dis- cutiu menos como escalar e mais para quem servir. Onde se percebeu que o futuro do retalho não é um destino tecnológico, mas uma construção humana. Durante os dois dias do World Retail Congress, os temas repetiram-se como um refrão coerente: éti- ca na inovação, liderança corajosa, propósito como motor, sustentabilidade real, cibersegurança, novas gerações e, claro, o inevitável papel da inteligência artificial. Mas o que diferenciou esta edição foi o tom. Não havia euforia tecnológica nem alarmismo existencial. Havia realismo, urgência e uma nova maturidade no discurso. Já não se falou da IA como tendência, mas como responsabilidade. Já não se romantizou o propósito, mas passou-se a exigir coe- rência. E já não se perguntou se vale a pena inovar, mas como inovar com critério, impacto e sentido. A inteligência que interessa A inteligência artificial dominou, de facto, o deba - te, não como fetiche, mas como dilema. É aliada ou ameaça? Solução ou distração? A resposta mais lúci- da foi talvez a mais simples: a IA não ameaça o reta- lho, mas ameaça o retalho que não se preparou para a mesma. O relatório “Beyond the Hype: Realising AI’s Po - tential in Retail” da AlixPartners, apresentado no congresso, é claro: o hype passou, agora só interessa o impacto real. A inteligência artificial já não é novi - Num mundo onde o consumidor já não distingue o físico do digital e onde a lealdade se constrói (ou desfaz) num scroll , há marcas que entendem o pre- sente e redesenham o futuro. A Magalu, um dos maiores retalhistas do Brasil, é uma dessas mar- cas. E no World Retail Congress 2025, o seu exem- plo não foi apenas um caso curioso. Foi um espelho do que está em jogo no retalho global.

dade, mas a capacidade de a aplicar de forma prática e lucrativa continua a separar os visionários dos que apenas seguem a maré. Mais de 80% dos executivos do retalho acredita no potencial da IA, mas apenas uma minoria consegue convertê-lo em rentabilida- de. Porquê? Porque confunde-se inovação com com- plexidade. Efetivamente, a IA não exige que se reformule tudo de uma vez, mas que se comece com objeti- vos de negócio claros e com sentido de prioridade. A AlixPartners deixa pistas: comece-se por onde o retorno é rápido e evidente, como descrições de produto geradas por IA, atendimento ao cliente com assistentes multilingues e personalização de mensa- gens em tempo real. O estudo mostra casos concre- tos em que o uso inteligente da IA aumentou em 47% as receitas de campanhas dirigidas. As empresas que a adotaram com estratégia cresceram o dobro das que ficaram paradas e fizeram-no com margens melhores. Utilizar a IA apenas para cortar custos ou maxi- mizar cliques permite colher ganhos de curto prazo e perdas de longo alcance. Mas utilizar para perso- nalizar com empatia, prever com inteligência con- textual e entregar valor em vez de volume resulta em lealdade. Com ética, transparência e propósito, porque a tecnologia, quando entra sem contexto, re- tira mais do que acrescenta. Como se ouviu repeti- damente, “a tecnologia não é o que diferencia — é o que viabiliza a diferença” . A questão central, como reforçou Sandra Stanley, da dunnhumby, já não é “IA, sim ou não?” , mas “IA, para quê e para quem?” . A tecnologia, por si só, não re- solve nada. “O seu valor depende da qualidade da decisão humana que a orienta” . Ao longo do congresso, ficou claro que a maior revolução não está no código, mas na cultura. Ferra- mentas que não são adotadas são apenas custo. Mu- dar processos é difícil; mudar mentalidades ainda mais. Esse é o verdadeiro desafio da liderança no re - talho moderno. Assim, não basta perguntar “qual é a nossa estratégia de IA?” . A pergunta relevante é “como é que a IA nos ajuda a cumprir os nossos objetivos?” . E

Catherine Brien, da AlixPartners, pôs o dedo na ferida: “o retalho será sempre um negócio de pessoas. A IA só funciona quando as pessoas a adotam”

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