Grande Consumo N.º 93

GRANDE CONSUMO

Retalho como reflexo da coragem de quem o lidera A frase que mais ecoou entre CEOs e especialistas foi tal- vez esta: “o futuro do retalho será tão bom quanto a coragem dos seus líderes” . A coragem de investir em inovação num contexto de incerteza, de ouvir vozes novas dentro e fora das empresas, de desfazer o que sempre funcionou para construir algo mais alinhado com o mundo real. A intervenção de Rami Baitiéh, CEO da Morrisons, foi um dos exemplos mais marcantes de uma liderança com visão clara e pragmática. Mais do que replicar mo- delos anteriores, defendeu o valor de se integrar numa nova realidade. “É preciso desaprender para poder apren - der” . Ao falar sobre a recuperação da cadeia britânica, Rami Baitiéh foi direto: “simplificação, modernização e mo - bilização são as três coisas que é preciso fazer continuamente; a transformação é constante, como pedalar montanha acima — não se pode parar” . Para o gestor, “virar” uma empresa exige foco nas prioridades certas, não em planos com centenas de medidas. “Isso significa que o foco está nestas prioridades e não em definir 120 mudanças diferentes. É uma abordagem que gera vitórias imediatas e rápidas e o CEO está presente para concretizar a visão” , afirmou Liderar hoje é mais do que planear. É saber escutar, ter a ousadia de arriscar, mesmo quando os dados não garantem o retorno, apostar na diversidade, na inclusão e na verdade. Porque no retalho — como na vida — é pre- ciso coragem para fazer diferente, antes que seja neces- sário. O painel da Russell Reynolds Associates revelou que só 13 dos 65 CEOs nomeados desde 2019 são mulhe- res. E a diversidade racial nos conselhos de administra- ção continua abaixo dos 20%. Mas há sinais de viragem. No congresso, as mulheres representaram 46% dos ora- dores. E os temas de equidade, representatividade e per- tença deixaram de estar nas margens. A bússola para o futuro O World Retail Congress 2025 não apontou um único caminho, mas um eixo de orientação para um sector que procura o seu equilíbrio entre pressão de margem e criação de valor, tecnologia e identidade, eficiência e significado. Essa bússola aponta para quatro pontos car - deais: coragem para liderar com verdade, coerência en- tre propósito e prática, tecnologia com ética e intenção e humildade para ouvir, adaptar e evoluir. O retalho está a deixar de ser apenas uma resposta às necessidades, para tornar-se num mediador de sentidos. O que vende interessa, mas como vende, com que impacto, com que valores e com que legado interessa mais. Num mundo onde tudo pode ser automatizado, a diferenciação está naquilo que não pode ser replicado por uma máquina: empatia, imaginação, integridade e vínculo. O World Retail Congress 2025 não celebrou a tecnologia. Celebrou a consciência com que a tecno- logia pode — e deve — ser usada. Entre o algoritmo e o coração, não há escolha. O futuro está no equilíbrio. E o equilíbrio, neste sector, será sempre uma construção humana.

Um novo caminho para crescer

A palavra “crescimento” já foi sinónimo de mais lojas, mais metros quadrados, mais pro- moções. Hoje, é outra coisa. Crescer num sec - tor em desaceleração, com custos em alta e consumidores em modo defensivo, exige re - pensar tudo: o modelo, a proposta de valor, o papel da loja e até a forma como se mede o sucesso. O estudo da EY, apresentado no World Retail Congress 2025, é um aviso e um mapa. Mos - tra como o retalho global está a enfrentar um ponto de viragem e como, mesmo num ce - nário macroeconómico adverso, há espaço para novas margens, novos serviços e novos caminhos, desde que se tenha coragem de os trilhar. O negócio é o mesmo. O modelo já não. As marcas que hoje lideram não são necessa- riamente as maiores, mas as mais rápidas a repensar o essencial. O relatório mostra como os retalhistas estão a monetizar os seus ativos ocultos: dados, know-how , cadeia logística, tecnologia própria. Estão a criar modelos B2B, hubs de serviços, programas de fidelização in- tegrados com saúde ou finanças e até a trans- formar as lojas em plataformas de impacto local. É o caso da ascensão do retail media , que já representa mais de 20% da publicidade digi - tal, ou das marcas que investem em serviços de bem-estar, economia circular, subscrição e reparação. Nada disto substitui o retalho tra - dicional, mas tudo isto complementa e valori - za a relação com o consumidor. Escalar é persistir. Muitos dos novos modelos não trazem escala imediata, mas já trazem margens mais altas, fidelização e capacidade de diferenciar. Várias iniciativas parecem pequenas face à dimen- são de empresas como Walmart ou Amazon, mas a verdade é que, nos próximos cinco a dez anos, os fluxos paralelos poderão gerar até metade do lucro das empresas, mesmo representando uma fração das receitas. A conclusão do estudo da EY é tão pragmáti - ca quanto ambiciosa: crescer no retalho atual exige modelos novos, ou pelo menos adap - tados com inteligência. O que implica repen- sar os espaços físicos, reinventar a cadeia de valor e assumir que o consumidor está (sem- pre) noutro sítio. Não se trata de fazer tudo ao mesmo tempo. Trata-se de fazer bem, passo a passo, com visão e foco.

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