Relatório do Comitê de Sigilo da IPA

The Report of the IPA Confidentiality Committee was approved by the IPA Board in January 2019.

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA INTERNACIONAL

Relatório do Comitê de Sigilo da IPA 1 de novembro de 2018

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO

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2 PRINCÍPIOS GERAIS

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2.1 Abordagens psicanalíticas e não psicanalíticas ao sigilo 2.2 Responsabilidade do analista pelo enquadre ( setting ) 2.3 Confiança pelo paciente de que o analista manterá o sigilo

2.4 Possibilidade de conflito insolúvel entre necessidades ou pontos de vista contraditórios

2.5 O sigilo como alicerce ético e técnico da psicanálise

2.6 Sigilo e privacidade

2.7 Responsabilidades institucionais e individuais 2.8 Considerações éticas versus considerações jurídicas

2.9 Psicanálise e a comunidade em geral

3 PROTEÇÃO DOS PACIENTES NO USO DE MATERIAL CLÍNICO PARA ENSINO, APRESENTAÇÕES ORAIS, PUBLICAÇÕES E PESQUISA 3.1 Observações preliminares e o problema do ‘consentimento informado’

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3.2 Reduzir o dano potencial e efetivo aos pacientes provocado pela necessidade científica, técnica e ética da profissão em compartilhar experiências clínicas 12 3.3 Em nível institucional: ensino 13 3.4 Apresentações de material clínico em congressos e outros eventos científicos 14 3.5 Publicações em revistas psicanalíticas e e-journals 15 3.6 Pesquisa em psicanálise 16

4 SIGILO NO USO DE TELECOMUNICAÇÕES, INCLUSIVE PARA ANÁLISE E SUPERVISÃO REMOTA

18 18 18 19 20 21 22 24 25 26

4.1 Introdução

4.2 Privacidade no enquadre clássico

4.3 Perda da privacidade em enquadres via telecomunicação

4.4 Perda da privacidade no enquadre clássico

4.5 Consequências a longo prazo

4.6 Implicações para a IPA e seus membros

4.7 Medidas que apenas aparentam resolver o problema 4.8 Implicações éticas e algumas possíveis proteções parciais

4.9 Conclusão

5 SOLICITAÇÕES DE QUEBRA DE SIGILO POR TERCEIROS

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6 COLEGAS QUE FORAM ALVO DE RECLAMAÇÕES

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7 ACESSO DOS PACIENTES AOS ARQUIVOS, INCLUSIVE AS ANOTAÇÕES DO PROCESSO 32

8 CONCLUSÕES GERAIS

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9 RECOMENDAÇÕES

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9.1 Proteção dos pacientes no uso de material clínico

9.2 Telecomunicações e análise remota

9.3 Solicitações de quebra de sigilo por terceiros 9.4 Colegas que foram alvo de reclamações 9.5 Acesso dos pacientes às anotações 9.6 Psicanálise e a comunidade em geral

10 COMENTÁRIOS RECEBIDOS PELO COMITÊ A RESPEITO DA VERSÃO PRELIMINAR DESTE RELATÓRIO

10.1 Introdução

10.2 Comentários a respeito do relatório como um todo 10.3 Limitações intrínsecas do sigilo na psicanálise 10.4 O conceito de “comunidade de interesse”

10.5 Consentimento informado e compartilhamento de material clínico

10.6 Telecomunicações 10.7 Pedidos de terceiros

10.8 Análise de criança e adolescentes 10.9 Análise de candidatos e colegas

10.10 10.11

Arquivos

Comentários recebidos após a conclusão do relatório

11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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12 LEITURAS COMPLEMENTARES

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13 APÊNDICES

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1 INTRODUÇÃO O Comitê de Sigilo foi incumbido pelo Conselho da IPA de analisar “as maneiras nas quais o sigilo diz respeito e afeta o trabalho de psicanalistas da IPA”, redigir documentos sobre boas práticas a serem analisados e aprovados pelo Conselho da IPA e orientar o Conselho acerca de questões relacionadas para o Congresso de 2019 (vide Apêndice A). Os membros do Comitê são: Dr. Andrew Brook (Tesoureiro da IPA, Presidente), Srta. Nahir Bonifacino (Asociación Psicoanalítica del Uruguay), Sr. John Churcher (British Psychoanalytical Society), Dra. Allannah Furlong (Canadian Psychoanalytic Society), Dr. Altamirando Matos de Andrade (Presidente do Comitê de Ética da IPA, Ex Officio ), Dr. Sergio Eduardo Nick (Vice-Presidente da IPA, Ex Officio ) e Sr. Paul Crake (Diretor Executivo da IPA, Ex Officio ). O Sr. Steven Thierman prestou apoio administrativo e técnico. Embora desde o início o IPA tenha tido um grande interesse em sigilo, o ímpeto imediato para a criação do Comitê foi uma situação que surgiu na qual informações confidenciais sobre um paciente foram reveladas durante a discussão de uma apresentação clínica em um congresso da IPA. Como a informação foi revelada na resposta a uma pergunta feita por um uma pessoa na plateia após a apresentação, não havia como tê-la prevenido antecipadamente por qualquer processo de revisão. Posteriormente, o paciente ficou sabendo do que havia sido dito e sentiu-se indignado. O paciente processou a IPA, que foi obrigada a pagar uma quantia substancial de indenização. A questão principal não é o dinheiro, nem quem foi responsável pelo quê nesse caso concreto, e sim como evitar tais violações de ética no futuro. A Comissão reuniu-se em 20 ocasiões antes de elaborar um anteprojeto de relatório em abril de 2018. O anteprojeto foi apresentado ao Conselho da IPA na sua reunião de junho de 2018, realizada em Londres, e em seguida enviado aos Presidentes das Sociedades Componentes e disponibilizado a todos os membros e candidatos da IPA através da newsletter de julho, solicitando comentários até a data limite de 28 de setembro. Outras 3 reuniões foram realizadas para discutir o feedback antes da elaboração do relatório final. Ao abordarmos esta tarefa, mantivemos em mente vários princípios gerais, detalhados abaixo. Em seguida, discutimos separadamente cinco áreas focais de preocupação: proteção do paciente no uso de material clínico para ensino, apresentações orais, publicações e pesquisa; sigilo no uso de telecomunicações, inclusive para análise e supervisão remotas; solicitação de quebra de sigilo por terceiros; colegas que foram alvo de uma reclamação ou queixa ao Comitê de Ética, enquanto uma investigação está em andamento; e o acesso dos pacientes aos arquivos, inclusive às anotações do processo psicanalítico. As duas primeiras serão discutidas mais detalhadamente como áreas de preocupação atual para a IPA. Tivemos o privilégio de ler orientações jurídicas não publicadas sobre sigilo e consentimento informado preparadas para a IPA por um advogado inglês (Proops, 2017). Também tivemos

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acesso a versões preliminares de documentos recentes preparados por um grupo de trabalho sobre sigilo da British Psychoanalytical Society e por um grupo de trabalho da Associação Psicanalítica Alemã (Deutsche Psychoanalytische Vereinigung, DPV) sobre o uso de mídias digitais em psicoterapia e psicanálise. A abordagem adotada nestes projetos é amplamente convergente com a nossa, e somos gratos ao Presidente do grupo de trabalho britânico, David Riley, e à Presidente da DPV, Dipl. Psych. Maria Johne, por terem nos permitido consultar estes documentos confidenciais. Nosso relatório termina com algumas conclusões gerais e várias recomendações específicas. As recomendações visam fomentar e fortalecer uma cultura de sigilo na IPA e entre seus membros. O feedback que recebemos sobre o anteprojeto do relatório demonstra uma avaliação ampla e fortemente positiva do mesmo. Os poucos comentários críticos foram apresentados a partir de uma ampla gama de pontos de vista. Em vez de tentar modificar o texto do anteprojeto para levar em conta todos os pontos levantados e as diferentes posições apresentadas, optamos por restringir as alterações ao texto ao mínimo necessário e fornecer separadamente sinopses e discussões do restante dos pontos (vide seção 10). Foi sugerido que a IPA postergasse a publicação deste relatório para dar tempo para uma discussão mais aprofundada de algumas questões contenciosas. Porém, o Comitê considera que a melhor maneira de assegurar a mais ampla discussão possível de todas as questões levantadas no relatório não é postergar a sua publicação, mas sim utilizar o próprio relatório como base e foco de discussão.

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2 PRINCÍPIOS GERAIS 2.1

Abordagens psicanalíticas e não psicanalíticas ao sigilo Como profissão, temos responsabilidades com nossos pacientes, uns com os outros e com o público em geral. Devemos, portanto, articular com formas psicanalíticas e não psicanalíticas de entender o sigilo. Precisamos afirmar e defender os requisitos de uma concepção especificamente psicanalítica do sigilo, mas simultaneamente permanecermos cientes de um discurso mais amplo, não psicanalítico, e distinguir um do outro quando necessário. Para psicanalistas, o sigilo não é somente um requisito para a conduta segura ou ética de um trabalho que, se não respeitada a confidencialidade, poderia ser realizado de forma insegura ou antiética. É fundamental para o método psicanalítico em um sentido mais radical: sem a expectativa de sigilo, a psicanálise seria impossível, porque tanto a livre associação pelo analisando como a livre escuta do analista ficariam viciados. O sigilo atua como contentor e limite que separa o espaço analítico de um espaço social mais amplo. A IPA afirma explicitamente no Código de Ética que a confidencialidade é “um dos alicerces da prática psicanalítica”. (IPA, 2015, Parte III, parágrafo 3a). 2.2 Responsabilidade do analista pelo enquadre ( setting ) O papel do psicanalista dá origem a responsabilidades profundas por causa das maneiras pelas quais o enquadre, ou setting , psicanalítico tanto estimula quanto frustra a regressão, os anseios não realizados e a fantasia inconsciente. A responsabilidade do analista engloba uma consciência do poder sedutor inerente ao enquadre psicanalítico. Embora o encontro analítico estimule impulsos e emoções inconscientes em ambos os parceiros, permanece uma importante assimetria ética: o analista deve respeitar a autonomia e a separação do paciente, seja ou não essa atitude retribuída pelo paciente. O impacto total da pessoa do analista, e do enquadre, no tratamento e na reação do paciente a ela pode nunca ser totalmente compreendido pelo analista, e ainda assim o analista deve tentar avaliá-lo. Por esta razão, embora o consentimento do paciente para uma quebra de sigilo possa torná-la permissível do ponto de vista não-psicanalítico, tal violação pode continuar sendo eticamente comprometedora aos olhos de muitos analistas, que são da opinião de que o paciente nem sempre é capaz de saber no momento como a transferência afetou seu consentimento. 2.3 Confiança pelo paciente de que o analista manterá o sigilo Para que a psicanálise seja possível, o analisando deve ser capaz de confiar que o analista protegerá o sigilo de sua comunicação. Não é necessário que o analisando confie no analista em todos os aspectos, e pode até ser clinicamente indesejável, mas sem confiar na disposição e capacidade do analista de proteger o sigilo, não será possível que o que analista e analisando empreendam juntos seja uma psicanálise, porque não será possível para o paciente tentar associar livremente, nem para o analista ouvir livremente.

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2.4 Possibilidade de conflito insolúvel entre necessidades ou pontos de vista contraditórios Podemos conceitualizar o sigilo como algo que diz respeito às nossas relações profissionais de pelo menos duas maneiras diferentes. Se pensarmos o sigilo exclusivamente em termos do relacionamento entre analista e analisando, a necessidade de o analisando poder confiar no analista para proteger o sigilo pode entrar em conflito com a necessidade ética e científica do analista de compartilhar material anônimo com os colegas para supervisão, ensino e publicação. Por outro lado, se pensarmos em sigilo nos termos de um relacionamento cuja qualidade e integridade exige desde o início a inclusão de colegas psicanalistas como terceiros com os quais o analista comunica material clínico “em confidência”, o analisando pode não compartilhar dessa visão; neste caso, pode surgir um conflito entre as concepções de sigilo do analista e do analisando. De qualquer forma, um conflito entre as visões do analista e do analisando pode ser insolúvel. 2.5 O sigilo como alicerce ético e técnico da psicanálise O princípio de que o sigilo é um dos alicerces da psicanálise não é apenas uma questão de ética, mas também de técnica psicanalítica; os aspectos éticos e técnicos são inseparáveis. Portanto, proteger o sigilo dos pacientes envolve a IPA em uma regulação ética da prática psicanalítica. O desafio para os analistas é que o objeto de nosso estudo – o inconsciente – é tanto parte de nosso ser como do de nossos pacientes, e igualmente provável que surja de formas inesperadas. Nosso desejo de proteger nossos pacientes pode ser solapado por esforços inconscientes de nós mesmos. É por este motivo que, neste relatório, lançar mão de uma escuta não julgadora por colegas antes da apresentação ou publicação de qualquer material clínico é considerado indispensável para detectar a excitação inconsciente despertada pelo processo. Porém, essa prática tem suas próprias armadilhas e limitações. 2.6 Sigilo e privacidade As palavras sigilo e privacidade são usadas de várias maneiras complexas em contextos cotidianos; muitas vezes se sobrepõem, e às vezes são confundidas. Para o propósito desta discussão, será útil distingui-los pensando que o sigilo surge sempre no contexto de um relacionamento, dentro do qual são compartilhados informações, experiências e sentimentos privados dentro de limites rígidos. Do ponto de vista jurídico, o sigilo é uma obrigação ética, enquanto a privacidade é um direito individual 1 . Manter a privacidade do que é comunicado entre analista e paciente é claramente uma condição necessária para o sigilo na análise. Isso se aplica independentemente de o sigilo como requisito ético ser encarado como incondicional ou sujeito a certas limitações ou exceções por motivos clínicos e/ou jurídicos. A menos que a privacidade de suas conversas

1 Vide p. ex. http://criminal.findlaw.com/criminal-rights/is-there-a-difference-between-confidentiality-and- privacy.html

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possa ser assegurada, a psicanalista não está em posição de dar (nem mesmo insinuar) garantias de sigilo a um paciente. Assim, quaisquer circunstâncias que violem ou deixem de proteger a privacidade da comunicação prejudicam a possibilidade de empreender uma psicanálise. O Código de Ética prevê a proteção da privacidade de duas formas diferentes e complementares, que correspondem às abordagens psicanalítica e não psicanalítica ao sigilo mencionadas acima. A Parte III, parágrafo 3a, do Código , que protege a confidencialidade das informações e dos documentos dos pacientes, protege implicitamente a privacidade, que é condição necessária para tal sigilo 2 . A Parte III, parágrafo 1, proíbe os psicanalistas de participarem ou facilitarem a violação dos direitos humanos básicos, que incluem o direito à privacidade 3 . 2.7 Responsabilidades institucionais e individuais Proteger a confidencialidade pode ter implicações para psicanalistas individualmente que diferem das implicações para a IPA como organização. Enquanto um membro individual da IPA pode decidir colocar as considerações éticas antes das jurídicas, a IPA, como organização, pode nem sempre estar em condições de fazê-lo. Os riscos de qualquer litígio também podem diferir significativamente entre a IPA como pessoa jurídica e seus membros como pessoas físicas. A Parte III do Código de Ética fornece diretrizes para a prática ética, mas estas são necessariamente de natureza geral, e os psicanalistas individuais têm que decidir como aplicá-las em situações específicas. Todas as alternativas à disposição do analista podem estar repletas de limitações e riscos, e se um paciente se sentir traído ou manipulado, as consequências podem ser sérias: enorme angústia para o paciente, impacto negativo para um tratamento em curso ou dano retroativo a um tratamento já concluído. Muitas vezes, o analista individual é obrigado a fazer o melhor possível em uma situação essencialmente indecidível do ponto de vista clínico e ético. A situação se torna ainda mais complicada pela presença vigorosa de diferentes orientações clínicas e teóricas na comunidade psicanalítica, devido às quais pode não haver acordo quanto ao que é eticamente apropriado ou tecnicamente correto em determinada situação. 2.8 Considerações éticas versus considerações jurídicas A exigência ética de sigilo no sentido psicanalítico do termo surge principalmente da 2 “Confidencialidade é um dos alicerces da prática psicanalítica. Um psicanalista deve proteger a confidencialidade das informações e dos documentos do paciente.” IPA (2015) III.3a 3 “Um psicanalista não deve facilitar nem participar da violação de nenhum direito humano básico de um indivíduo, conforme definido na Declaração de Direitos Humanos da ONU e na própria Política de não Discriminação da IPA.” IPA (2015) III.1. O Artigo 12 da Declaração dos Direitos Humanos da ONU explicita que todos têm direito à privacidade e à proteção legal contra interferências ou ataques à privacidade.

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prática psicanalítica, não de leis ou códigos de ética externos à psicanálise. Embora o estado de direito seja uma marca registrada das sociedades democráticas modernas, ele não é fixo nem infalível; está sujeito a pressões políticas, institucionais, econômicas e comunitárias, e também a normas sociais e éticas em constante mutação. As leis podem ser (e já foram) direcionadas para fins que são incompatíveis com a ética psicanalítica. Analistas individuais e seus pacientes geralmente estarão mais protegidos se as diretrizes éticas evitarem afirmar a primazia da lei. Por esse motivo, em 2000, o Conselho Executivo da IPA alterou a declaração sobre confidencialidade, excluindo a cláusula “dentro dos contornos das normas jurídicas e profissionais aplicáveis” 4 . O objetivo era defender a autonomia da ética profissional e garantir que o Código de Ética crie um espaço que permita aos membros individuais se sentirem seguros para explicar sua postura ética às autoridades relevantes, caso surjam dúvidas sobre possíveis violações de sigilo. 2.9 Psicanálise e a comunidade em geral Entre as instituições da sociedade civil, a psicanálise contribui de maneira única para a extensão e elucidação da vida mental humana, especialmente de suas camadas inconscientes. Há um “trabalho cultural” (Freud, 1933, p. 80) em andamento em espaços terapêuticos psicanalíticos ao redor do mundo, cujos benefícios não vão somente em uma direção. A saúde e integridade da psicanálise também dependem dos valores e objetivos promovidos na sociedade que a envolve. Não clinicamos no vácuo; tanto influenciamos como somos influenciados por disciplinas adjacentes e movimentos culturais contemporâneos. É por isso que a psicanálise, como instituição, deve continuar a ocupar seus lugares nos diversos foros da vida pública: escutando, aprendendo e dialogando com outras entidades comunitárias, num contínuo trabalho paradoxal de resistência e extensão da experiência coletiva humana.

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4 Ata do Conselho Executivo, 28 de julho de 2000.

3 PROTEÇÃO DOS PACIENTES NO USO DE MATERIAL CLÍNICO PARA ENSINO, APRESENTAÇÕES ORAIS, PUBLICAÇÕES E PESQUISA 5 3.1 Observações preliminares e o problema do ‘consentimento informado’ Considerando-se a complexidade das dinâmicas inconscientes de transferência e contratransferência em qualquer tratamento analítico e a variada gama de escolas teóricas representadas dentro da IPA, cada uma com seu próprio entendimento dessa complexidade, suas próprias técnicas e sua própria ética, não há um procedimento universal à prova de falhas que possa ser recomendado como a melhor maneira de proteger o analisando ao compartilhar material clínico com os colegas. Este problema pode ser ilustrado considerando-se alguns exemplos imaginários de declarações que os analistas poderiam fazer se fossem obrigados a justificar suas posições ao apresentar material clínico em congressos científicos ou publicar material clínico: ● Exemplo 1: “Acredito que o que ocorre no consultório psicanalítico é um produto das atividades conscientes e inconscientes tanto do paciente como do analista. Considero apropriado e íntegro pedir permissão aos meus pacientes sempre que utilizo material clínico de nosso trabalho em conjunto. Os pacientes cujo material é citado neste artigo o examinaram e deram sua permissão por escrito.” ● Exemplo 2: “Não há dúvida de que qualquer evento clínico é propriamente um produto único da interação entre determinado paciente e determinado analista. Assim sendo, qualquer descrição de tal evento pelo analista está naturalmente sujeita ao ponto de vista desse analista, de maneiras não necessariamente compreendidas plenamente, e inclui seu viés teórico e sua equação pessoal inconsciente em determinado momento do tempo. Entretanto, é minha convicção pessoal que pedir permissão a um paciente para usar material clínico em uma apresentação científica é uma intrusão considerável em sua psicanálise ou terapia e, portanto, deve ser evitada, se possível for evitá-la sem causar danos ao paciente. Escolhi disfarçar as histórias pessoais citadas neste artigo para que outras pessoas não as reconheçam. Quanto aos pacientes que possam porventura reconhecer a si mesmos, espero que sintam que tentei relatar respeitosamente nosso trabalho como uma contribuição particular à sociedade”. ● Exemplo 3: “Não acredito que seja correto envolver pacientes em discussões sobre publicações minhas que façam referência ao seu trabalho comigo. A assimetria inevitável e ética da relação terapêutica torna o consentimento informado problemático e, inevitavelmente, perturbador para o paciente. Com o objetivo de proteger a confidencialidade de meus pacientes e corrigir meus próprios pontos 5 Como ficará evidente nas Leituras Complementares elencadas no final deste relatório, o Comitê recorrer a uma rica literatura que examina o conflito entre o ideal de sigilo absoluto em relação aos pacientes e a necessidade igualmente absoluta de consultar os colegas a fim de manter nossa capacidade de trabalhar como psicanalistas. Para facilitar a leitura, optamos por minimizar as referências a essa literatura no texto, citando-a apenas quando imaginamos que o ponto em questão pudesse ser considerado polêmico.

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cegos inconscientes, pedi a três colegas que lessem cuidadosamente o material e o aprovassem com isso em mente”. ● Exemplo 4: “A fim de proteger o sigilo de meus pacientes, elaborei amálgamas de vários pacientes, meus e dos meus supervisados, para as ilustrações clínicas usadas neste artigo. Para evitar a introdução de um fator estranho em suas análises, não pedi permissão a nenhum desses pacientes”. ● Exemplo 5: “Sinto que a transparência do analista sobre seus motivos e possíveis conflitos de interesse é essencial em um relacionamento psicanalítico autêntico. Por isso, sempre discuto com meus pacientes a possibilidade de escrever sobre eles e meu desejo de enriquecer a literatura com o que aprendi em nosso trabalho em conjunto. Cada paciente aqui citado leu e aprovou o material aqui incluído”. Embora as visões acima externem diferentes atitudes em relação à noção de ‘consentimento informado’, podemos presumir que todos os psicanalistas reconhecem sua complexidade. Enquanto na maioria das outras profissões a exigência ética de consentimento informado é relativamente direta, isso não ocorre na psicanálise. A descoberta por Freud da resistência inconsciente – ou seja, o fato de que os pacientes inconscientemente se opõem ao tratamento e a melhorar – e sua percepção de que a resistência precisava ser identificada, compreendida e trabalhada ao invés de admoestada acarretaram uma mudança de paradigma em seu modelo terapêutico. O objeto da investigação analítica, o inconsciente, complica qualquer noção de consentimento informado dentro do campo transferencial. Nem o analisando nem o analista conseguem estar imediatamente cientes de todos os motivos inconscientes que impelem a permissão para o compartilhamento de material clínico, e nenhum deles pode prever os futuros impactos que se seguirão ao “golpe” de tal decisão. Há, portanto, uma incerteza ética inerente acerca do consentimento informado na psicanálise, considerando-se que a transferência e a contratransferência sempre serão apenas parcialmente compreensíveis. Sabemos que os pacientes podem dar consentimento para compartilhar material clínico e ainda assim sentir que o analista violou sua confiança, com consequências potencialmente graves para o tratamento. Como mencionado acima (vide 2.7), além da opção de não compartilhar material clínico, todas as alternativas à disposição do analista têm suas limitações e riscos. Não é razoável esperar que um analista sempre detecte ou preveja corretamente as reações do paciente ao compartilhamento de informações (Anônimo, 2013; Aron, 2000; Brendel, 2003; “Carter”, 2003; Kantrowitz, 2004, 2005a, 2005b, 2006; Halpern, 2003; Robertson, 2016; Roth, 1974; Stoller, 1988). Alguns analistas acreditam que o engajamento interativo desencadeado por um pedido de consentimento é, pelo contrário, a ação mais ética a ser adotada, proporcionando não somente benefícios terapêuticos mas também maior precisão científica graças à incorporação do ponto de vista do paciente. Esses analistas (Aron, 2000; Clulow, Wallwork & Sehon, 2015; Crastnopol, 1999, LaFarge, 2000; Pizer, 1992; Scharff, 2000; Stoller, 1988) relutam menos em perturbar o tratamento com um pedido de permissão. Considerando a multiplicidade de situações clínicas complexas que

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ocorrem em diferentes fases da terapia psicanalítica, e as diferentes posições éticas sobre cada uma delas que podem ser tomadas por analistas de convicções teóricas distintas, não é viável para a IPA elaborar um procedimento padrão para a apresentação e publicação de material clínico que seria eticamente correto e generalizável para todos os analisandos. Nossa responsabilidade ética de proteger nossos pacientes e seu tratamento vai além das obrigações estritamente jurídicas. Mesmo quando o anonimato dos pacientes é respeitado para que eles não sejam reconhecíveis para os outros, seu autorreconhecimento pode ter repercussões angustiantes para suas visões de seus analistas, de si mesmos e dos tratamentos, sejam eles em andamento ou já concluídos. Devido a essas limitações em nossa capacidade de termos convicção sobre nossas escolhas éticas específicas, além de nossa responsabilidade ética como profissionais individuais, estamos propondo uma abordagem de “comunidade de interesse” (Glaser, 2002) na qual são incorporadas salvaguardas em vários pontos do processo de elaboração e apresentação de material clínico e todos os envolvidos são responsáveis pela sua efetividade. O objetivo é fomentar uma cultura de sigilo na qual a proteção da privacidade e da dignidade do paciente se torne uma preocupação primordial em todos os aspectos da elaboração, compartilhamento e apresentação de material clínico. 3.2 Reduzir o dano potencial e efetivo aos pacientes provocado pela necessidade científica, técnica e ética da profissão em compartilhar experiências clínicas A presença da vida mental inconsciente em todo ser humano, e sua intensa mobilização durante o tratamento tanto no analista quanto no paciente, em uma espiral mutuamente ativada e entrelaçada, torna impossível fingir que qualquer apresentação clínica seja exaustiva ou livre de esforços inconscientes desconhecidos da parte do autor. Além disso, o material clínico selecionado como objeto de uma apresentação é sempre, até certo ponto, uma construção criada pelo analista. Essa observação faz com que o compartilhamento de material clínico com pares ou supervisores seja tanto necessidade profissional como constante apelo à modéstia científica. É simplesmente impossível saber tudo o que podemos estar comunicando inconscientemente quando apresentamos nossos analisandos aos outros, seja por escrito ou oralmente. Também não podemos prever com segurança qual será o impacto sobre o analisando, imediatamente ou no futuro próximo ou distante, de descobrir que o analista escreveu sobre ele, quer tenha obtido permissão ou não. Portanto, somos obrigados a concluir que nossa responsabilidade ética é paradoxal: somos responsáveis pelo impacto em nossos pacientes de compartilharmos seu material clínico com outras pessoas, apesar de não podermos prever ou controlar totalmente esse impacto, nem mesmo saber quais aspectos dele podem ter escapado à nossa percepção. A tensão entre o sigilo e a necessidade do analista de compartilhar foi captada pela orientação jurídica encomendada pela IPA à advogada inglesa Anya Proops, QC. Por um lado, ela conclui que “em geral, é difícil ver como a divulgação de dados efetivamente anônimos equivaleria a um uso indevido de informações privadas em um sistema de direito

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consuetudinário”. Por outro lado, este conselho está sujeito à seguinte condição: “se, na prática, os pacientes são levados a entender que nenhum aspecto do que eles dizem sobre seu tratamento será divulgado a qualquer terceiro...então, inevitavelmente, os psicanalistas podem se expor a queixas admissíveis de violação do princípio de confiança se divulgarem qualquer informação gerada no decorrer do processo de tratamento, mesmo de forma anônima” (Proops, 2017, pp. 15-16). Uma sugestão prática relativa ao sigilo nas apresentações clínicas seria incentivar os autores que apresentarão ou publicarão material clínico a fazerem declarações do tipo ilustrado pelos exemplos imaginários acima (vide 3.1). Pode-se considerar essa prática análoga à divulgação de conflitos de interesse, que se tornou obrigatória nas publicações médicas. O propósito é duplo: por um lado, tais declarações poderiam motivar seus autores a avaliar de maneira mais completa o equilíbrio entre sigilo e compartilhamento científico; por outro lado, caso o paciente descubra que seu sigilo foi violado, poderiam oferecer uma explicação do motivo e uma possível ocasião para mais trabalho analítico. Como a busca pelo nome do autor na Internet é a maneira mais fácil e mais comum de pacientes e outros obterem acesso a publicações que podem conter informações privadas, uma maneira de proteger a o sigilo é publicar ou apresentar anonimamente ou usando um pseudônimo. Um exemplo da abordagem de “comunidade de interesse” seria incentivar a consulta a um ou mais colegas antes de incluir qualquer material em uma apresentação. 3.3 Em nível institucional: ensino Nem todos os institutos atualmente incluem discussões aprofundadas sobre questões de sigilo em seus treinamentos. A importância do sigilo no tratamento psicanalítico exige que os candidatos sejam alertados sobre essa questão no início de sua formação, identificando-a como um ponto chave em nossa prática. As seguintes propostas poderiam ajudar a colocar o sigilo como aspecto central da psicanálise desde os primeiros passos da formação do analista: ● Incluir um seminário sobre sigilo como parte do treinamento, com os seguintes objetivos: (a) conscientizar os candidatos desta questão desde o início de sua formação; (b) manter a questão viva em nossas mentes sempre que falamos de nossos analisandos; (c) promover a apresentação e discussão de material clínico no qual a proteção do sigilo seria um desafio; (d) facilitar a discussão das vantagens e desvantagens das diferentes maneiras pelas quais o sigilo pode ser protegido no compartilhamento de material clínico (disfarces, consentimento informado do ponto de vista psicanalítico, amálgamas de diferentes casos, autoria múltipla ou anônima etc.); (e) facilitar a discussão do ambiente regulatório legal e profissional local, com cenários sobre como proceder quando houver ou puder haver um conflito com o sigilo psicanalítico. ● Tornar a proteção do sigilo uma questão de preocupação regular e coletiva

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sempre que membros ou candidatos apresentarem material clínico em reuniões da sociedade, seminários, grupos de trabalho, supervisões, etc. As análises pessoais dos analistas continuarão sendo espaços confidenciais que incentivam a associação livre. Em todos os outros contextos, o material clínico deve ser anonimizado. ● Incentivar cada sociedade a encontrar uma maneira de transformar a reflexão sobre os desafios de proteger o sigilo em um projeto de educação continuada. Por exemplo, na forma de workshops ocasionais sobre o assunto. A IPA poderia publicar boletins regulares com discussões de casos de diferentes regiões que problematizem essa questão, começando com exemplos retirados da literatura. 3.4 Apresentações de material clínico em congressos e outros eventos científicos Os analistas precisam estar cientes de que, uma vez apresentado, seja por escrito ou oralmente, o material clínico tem um público potencialmente ilimitado. Embora os riscos de reconhecimento possam ser considerados baixos, qualquer risco desse tipo leva a uma questão crucial: não apenas violações efetivas são motivo de preocupação, mas também qualquer percepção de que houve ou poderia haver violação. As diretrizes a seguir representam a visão do Comitê sobre ‘boas práticas’ ao apresentar material clínico em congressos e outros eventos científicos 6 : ● Incluir uma declaração sobre sigilo nas convocatórias de artigos/trabalhos. Deve-se sempre alertar os analistas palestrantes a respeito das possíveis consequências negativas já documentadas do sigilo mal controlado para pacientes e analistas. Conforme demonstram pesquisas (Kantrowitz, 2004, 2006), os analistas podem nem sempre ser sensíveis ao impacto negativo de suas atividades científicas em seus pacientes; assim, também podem ser incentivados a consultar seus pares desde cedo caso queiram compartilhar material clínico no congresso. Uma maneira de reduzir o risco de vazamento de material clínico sensível em apresentações em grupo seria evitar a circulação deste material de forma escrita ou digital, antes ou depois do evento científico. ● Revisar cuidadosamente os trabalhos enviados. O comitê científico deve examinar cuidadosamente cada submissão que contenha material clínico e, em caso de dúvida, pedir feedback de uma equipe seleta de assessores a respeito da proteção do sigilo. Como esses membros podem não conhecer o autor e seu meio, a consulta em nível local pode ser uma forma alternativa de proteção. Quando o material clínico não pode ser alterado, como na narração de um sonho, pode-se usar disfarce, anonimização ou solicitar permissão cuidadosamente para proteger o paciente. ● Incluir uma declaração sobre sigilo no programa impresso, se houver. O Apêndice B fornece exemplos de tais declarações. ● Pedir aos moderadores que leiam uma declaração em voz alta antes de cada palestra 6 Uma versão preliminar de algumas das diretrizes do item 3.4 foi aceita pelos Diretores em nome do Conselho em junho e julho de 2017, antes do congresso de Buenos Aires.

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ou workshop. Pode-se solicitar aos moderadores de eventos nos quais material clínico será compartilhado que leiam em voz alta uma declaração como a que foi proposta para o Congresso da IPA de 2017 (ver Apêndice B). ● Anunciar que alguns detalhes do material foram omitidos e/ou alterados para preservar o sigilo do paciente. ● Em grandes grupos e em quaisquer outros grupos em que nem todos se conheçam, assegure-se de que foram tomadas precauções especiais para proteger o sigilo. ● Embora o consentimento informado seja sempre complicado por implicações transferenciais, em algumas jurisdições, a apresentação do material clínico pode ser juridicamente segura apenas se houver consentimento do paciente por escrito. Porém, a segurança jurídica pode não cumprir plenamente nossa responsabilidade ética em relação ao paciente e ao tratamento. Quando o consentimento informado for proposto como opção, o analista apresentador deve considerar, se possível em consulta com colegas, o possível impacto de tal consentimento em um tratamento em andamento ou concluído. ● Minimizar os detalhes biográficos do paciente, revelando apenas o que for necessário para ilustrar as ideias do autor. Em reuniões menores, onde todos se conhecem, isso por si só pode ser suficiente e é certamente aconselhável. Deve haver uma avaliação, de preferência com colegas, nos casos em que quaisquer aspectos de interesse possam identificar o paciente. ● Disfarçar o material clínico. Isso deve ser feito minuciosamente em todas as apresentações clínicas de modo que a probabilidade de o paciente ser identificado seja remota. ● Pedir a cada analista palestrante uma breve declaração justificando a estratégia escolhida para proteger o sigilo dentro de seu marco de ética (vide 3.2, penúltimo parágrafo). ● Pedir aos moderadores para anunciar que não é permitida a gravação não autorizada de áudio ou vídeo de apresentações que contenham material clínico. ● Os candidatos são especialmente vulneráveis quando seus analistas falam ou escrevem sobre suas análises pessoais, devido ao risco de reconhecimento pelo candidato ou por alguém nos seus círculos profissional e social. Possíveis consequências incluem minar a identificação do candidato com a psicanálise como carreira futura e até mesmo afetar adversamente a oportunidade de o candidato seguir a análise como carreira se, por exemplo, aqueles que ouvirem o material identificarem um problema sério com o tratamento. Assim, a apresentação de material clínico sobre um candidato pode se tornar simplesmente uma análise didática com outro nome. Considerações semelhantes aplicam-se à análise de colegas profissionais. 3.5 Publicações em revistas psicanalíticas e e-journals

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Várias revistas psicanalíticas já têm políticas editoriais para proteger o sigilo. Seria valioso fazer uma pesquisa sistemática destas e formular propostas para melhorar sua eficácia, mas ainda não o fizemos. A presença de material clínico em sites e publicações de periódicos psicanalíticos é uma causa especial de preocupação. Cada vez mais, as versões eletrônicas dos artigos tornam- se disponíveis ao mesmo tempo que a edição impressa ou podem ser republicadas eletronicamente em uma data posterior. A proteção e o controle desse material são frequentemente muito inadequados, ao passo que seus leitores são globais e ilimitados. O compromisso ético dos administradores de periódicos eletrônicos com a proteção dos pacientes precisa ser intensificado e monitorado. O Apêndice B fornece alguns exemplos de avisos para autores que tentam abordar esse problema. 3.6 Pesquisa em psicanálise A pesquisa envolvendo seres humanos, como é chamada na comunidade de pesquisa em ciências sociais e humanas, dá origem a uma necessidade de proteção do sigilo. Como outros organismos que financiam pesquisas, a IPA tem procedimentos em vigor para proteger o sigilo dos sujeitos de pesquisa. O Comitê de Pesquisa da IPA, o órgão da IPA que financia pesquisas, exige que todos os candidatos a bolsas de pesquisa envolvendo seres humanos (normalmente, analisandos) tenham obtido aprovação ética para a pesquisa proposta antes de receber qualquer financiamento da IPA. A aprovação deve ter sido outorgada pelo que o Comitê de Pesquisa denomina institutional review board (IRB), também conhecido (no Brasil, por exemplo) como Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). Toda agência que financia pesquisas com seres humanos, inclusive todas as universidades de pesquisa do mundo industrializado, exige a aprovação por um CEP ou tem um requisito equivalente em vigor. Como salvaguarda adicional, a IPA exige também que todos os bolsistas trabalhem através de uma instituição de pesquisa. A aprovação por um CEP invariavelmente requer que nenhum indivíduo seja identificado pelo nome ou por outra característica identificável na pesquisa; somente por um número arbitrário. A lista que conecta números a nomes e informações de contato é mantida sob restrições rígidas e, normalmente, apenas o investigador principal ou o administrador da pesquisa tem acesso a ela. Os CEPs também exigem que os dados sejam relatados apenas de forma agregada, sempre que possível. A pesquisa psicanalítica com seres humanos toma duas formas: pesquisas com múltiplos sujeitos, na qual os resultados individuais são agregados e nenhuma informação individual é apresentada; e estudos de um único caso ou de um pequeno número de casos, que envolvem a apresentação de informações sobre indivíduos. Para pesquisas com múltiplos sujeitos, a aprovação por um CEP de boa reputação é amplamente considerada uma forma apropriada de aprovação ética e, para tais pesquisas, a exigência de parecer favorável por um Comitê é, em nossa opinião, suficiente. Porém, para estudos de casos individuais ou de

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pequeno número de casos envolvendo a apresentação de informações sobre indivíduos, em nossa opinião deve haver um requisito adicional. Deve-se exigir também que tais propostas de pesquisa incluam as proteções de sigilo para uso de material clínico identificadas nas subseções 3.2 a 3.5 acima. Recomendamos que seja solicitado ao Comitê de Pesquisa que acrescente ao seu processo de avaliação a exigência de que os solicitantes demonstrem que essas proteções estarão em vigor.

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4 SIGILO NO USO DE TELECOMUNICAÇÕES, INCLUSIVE PARA ANÁLISE E SUPERVISÃO REMOTA 4.1 Introdução As telecomunicações modernas, inclusive telefonia de voz, telefonia por vídeo ou videoconferência (por exemplo, via Skype) 7 e e-mail, estão sendo cada vez mais usadas pelos psicanalistas para comunicar-se com pacientes e colegas. Tais comunicações com pacientes incluem consultas ocasionais e regulares por telefone ou Skype (ou semelhantes), e as comunicações com colegas incluem consultas por telefone a respeito de pacientes, supervisão clínica e seminários por telefone e troca por e-mail de anotações de processo e outros materiais clínicos. Os psicanalistas estão expostos a pressões econômicas e culturais cada vez maiores para normalizar essas novas formas de comunicação e usá-las cada vez mais amplamente em seu trabalho clínico. A realização da psicanálise por meios telemáticos, que recebe várias denominações, tais como ‘análise remota’, ‘teleanálise’, ‘análise à distância’ e ‘análise por Skype’, é um assunto atualmente muito debatido pelos psicanalistas. Muitos colegas têm opiniões fortes a favor e contra essa prática; argumentos éticos e técnicos são apresentados por ambos os lados. A polarização deste debate fica evidente em alguns dos comentários recebidos pelo Comitê sobre o anteprojeto deste relatório (vide seção 10 abaixo). Cabe notar que o alcance do debate sobre a análise remota é muito mais amplo do que o sigilo, mas este relatório se preocupa com a análise remota apenas na medida em que se relaciona com o sigilo. A insegurança inerente às telecomunicações significa que a análise remota, como todas as práticas mencionadas acima, envolve riscos ao sigilo do paciente. A IPA já emitiu orientações que enfatizam que a psicanálise é realizada “no consultório, em pessoa”, e que outras formas de análise devem ser tentadas somente em circunstâncias excepcionais (IPA, 2017). Essas orientações apontam que existem “questões relativas à segurança, proteção da privacidade e confidencialidade em todas as formas de telecomunicações”, e afirmam que “os analistas devem se certificar de que a tecnologia que estão usando é segura e protege a confidencialidade do paciente” (IPA, 2014-17, parágrafo 7). A seguir, exploramos os riscos ao sigilo inerentes ao uso de telecomunicações para a consulta psicanalítica e as implicações destes para a IPA e seus membros. 4.2 Privacidade no enquadre clássico No ambiente clássico do consultório psicanalítico, quando as condições sociais e políticas são favoráveis, nosso controle físico relativo das salas ou consultórios em que trabalhamos, juntamente com nossas suposições razoáveis e nosso conhecimento 7 Também, por exemplo: FaceTime, WhatsApp, GoToMeeting, VSee, WebEx, Zoom, etc. O site independente a seguir apresenta comparações detalhadas entre cerca de 60 plataformas alternativas: https://www.telementalhealthcomparisons.com/private-practice

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