Nº 51 - Revista Economistas - Março

levando em conta que o Brasil ainda tem problemas da primeira revolução industrial que não combinam com um país desenvolvido, com 100 milhões de pessoas em insegurança alimentar, tantos milhões fora da escola, sem acesso a saneamento, teremos tantos bilhões de déficit alocados neste ou naquele programa. Alguém precisa pensar o ideal para então fazer a mediação entre o ideal e o concreto. Mas a pergunta é provocativa em vários sentidos e a resposta é sim. Há um conjunto de acadêmicos que acreditam que o déficit fiscal resolve todas as coisas e que qualquer proposta que tenha superavit é uma proposta austera. Não necessariamente é assim. É preciso levar em conta o momento da economia, e quanto mais instrumentos tiver à disposição, melhor. Os governos anteriores de Lula mostraram que é possível ter responsabilidade fiscal e apresentar superavit primário sem cortar gastos, ao contrário, elevando gastos. É possível aumentar despesas fazendo superavit, desde que o tipo de despesa mobilize principalmente os que mais consomem – e eles consomem produtos que, infelizmente, são mais tributados, mobilizando o comércio e o mercado interno e gerando maior capacidade de arrecadação. Nem sempre um déficit significa que as despesas cresceram e um superavit significa que estamos cortando despesas. RE: A inflação de fevereiro foi de 0,83% (em linha com o mesmo mês do ano passado, 0,84%), acumulando 4,50% nos últimos 12 meses. Você costuma ser crítica em relação à postura de preocupação excessiva com a inflação. Então, qual a sua análise destes números e quais são as razões desta postura crítica? JF: A teoria monetarista veio ganhando espaço desde a década de 1970, trazendo uma preocupação unicamente com a estabilidade de preços. O tripé macroeconômico pós-plano Real tinha não somente metas de inflação, como metas declinantes, que tinham que estar cada vez mais próximas de zero. O governo Lula flexibilizou esta parte do tripé. A minha crítica é porque a inflação se torna o grande indicador de performance da economia e ela é tratada como se fosse uma coisa só, oriunda

de um único processo e que sempre penaliza os mais pobres. Há vários causadores da inflação. Pode ser uma pressão de demanda, um choque de oferta, mas também há outros elementos, como o poder de monopólio e oligopólio na precificação, elementos inerciais, é algo bastante complexo. Ela é tratada como se sempre fosse oriunda da demanda e corrigida pelo único instrumento que o tripé macroeconômico coroou como instrumento de combate à inflação, que é a taxa de juros. Às vezes uma inflação persistente de alimentos pode ter como meio de resolução um amplo processo de reforma agrária e crédito agrícola, aumentando a produção. Além disso, a inflação nem sempre prejudica os mais pobres. É um mito. Temos um índice de inflação que é composto de uma cesta gigante de bens e serviços. Quando a inflação está localizada em bens, normalmente prejudica os mais pobres,

Às vezes uma inflação persistente de alimentos pode ter como meio de resolução um amplo processo de reforma agrária e crédito agrícola, aumentando a produção."

10

Made with FlippingBook interactive PDF creator