Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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acerca da inclusão do enactment num conceito mais alargado de contratransferência, escreveu acerca de um uso produtivo do self no acompanhamento das próprias reacções do analista no trabalho com jovens. Chused (1991, 1992) ofereceu exemplos clínicos detalhados no seu trabalho com crianças na idade da latência, adolescentes e jovens adultos. Em 2003, Chused definiu enactment de forma abrangente: “Quando o comportamento ou as palavras de um paciente estimulam um conflito inconsciente no analista, levando a uma interacção que tem significado inconsciente para ambos, isso é enactment. De modo inverso, um enactment ocorre quando o comportamento ou as palavras de um analista estimulam um conflito num paciente, que produz uma interacção com significado inconsciente para ambos. Os enactments ocorrem constantemente em análise e fora dos nossos consultórios (…) Alguns dos mais significativos (…) ocorrem (…) quando o comportamento de uma analista se desviou do seu intento consciente devido a motivações inconscientes, e, ao ser escrutinado, traz uma ‘sensação de erro cometido’ (…)” (Chused, 2003, p.678). Em 1995 Judith Mitrani cunhou o termo “experiência não-mentalizada” para referir situações da infância mais precoce que mais tarde se exprimem em análise através do processo de enactment , em que podem ser interpretadas na transferência e podem dar forma significativa às nossas construções imaginativas. Posteriormente, Mitrani (2001) concluiu que a palavra “experiência” não é o termo correcto neste contexto, uma vez que para se experienciar algo deve existir consciência psíquica, e consequentemente algum nível de mentalização para se experienciar algo. Assim, ela sublinhou a distinção entre algo que aconteceu a um indivíduo versus algo que se sofreu e que subsequentemente entrou no reino da consciência c om a ajuda de um objecto continente ; por outras palavras, alguma “coisa” que atingiu um nível de significado na mente. Aqui, Mitrani ecoa as ideias de Federn (1952), Bion (1962) e Winnicott (1974). Federn (1952) fez uma importante distinção entre sofrer a dor e sentir dor. Para ele, o sofrimento é uma processo activo do Ego, no qual o acontecimento que provoca dor – por exemplo a frustração, ou a perda do objecto – é tomado [pelo Ego] e a sua intensidade total é avaliada. Deste modo, sofre uma transformação, o que também acontece com o próprio Ego. Por contraste, ao sentir -se a dor, o acontecimento que provoca dor não pode ser suportado e elaborado pelo Ego. A dor não é contida, mas apenas toca a fronteira do Ego e é repelida. A cada repetição do acontecimento, o sentimento doloroso afecta o ego com a mesma intensidade e efeito traumático. A distinção entre “acontecimentos” e “experiências” foi elaborado previamente por Winnicott em “O Medo do Colapso” (1974) – um colapso que se dera na primeira infância mas não tinha sido experienciado. Também relevante, se bem que de forma indirecta, pode ser a teoria do pensamento de Bion (1962) segundo a qual, durante o período da primeira infância em que psyché e soma são ainda indistinguíveis um do outro, as impressões sensoriais em bruto/elementos beta são gravadas no corpo e são suportadas através de processos somáticos até que a representação psíquica se torna possível com a ajuda da função alfa contentora materna.

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