Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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Na perspectiva de Mitrani, este tipo de “ acontecimento não mentalizado ”, envolvendo dor sentida mas não sofrida, registado a um nível sensorial e corporal, e ao qual tem ainda de ser atribuído um significado simbólico, pode estar na raiz de muitos enactments em análise. Quando o analista utiliza de forma apropriada os enactments , é dado ao corpo uma oportunidade de se tornar simbólicamente representado, à medida que entra em relações significativas com outras representaçoes psíquicas. A perspectiva neurobiológica acerca do papel do corpo no enactment através das memórias somáticas foi investigada e revista, por exemplo por Van der Kolk e Van der Hart (1991). A argumentação destes dois autores extende-se desde os conceitos mais antigos de Janet e Freud, os quais se interrelacionavam, até as hipóteses actuais de codificação somática de memórias traumáticas no cérebro. Para a Escola Relacional, o enactment é um conceito central na teoria da psique e na compreensão da acção terapêutica na análise clínica. Muito activos no Estados Unidos desde a década de 1980, téoricos da Escola Relacional como Anthony Bass descrevem da seguinte forma a sua abordagem: “As abordagens relacionais contemporâneas tem em grande medida sido definidas (…) pela sua ênfase na participação conjunta: interacção, intersubjectividade e impacto mútuo derivado da interactuação complementar e mutuamente modeladora da transferência e contratransferência. Estes fenómenos podem ser surpreendentemente manifestos – com toda a força das suas raízes inconscientes – no desenrolar de um processo que frequentemente pode parecer-se com o campo de minas do enactment (…)” (Bass 2003: 658). Irwin Hoffman (1984) descreve o pensamento dialético como parte da sua abordagem e examina, por exemplo, as implicações técnicas para a autoridade, mutuallidade e autenticidade do analista da capacidade única do paciente para as interacções inconscientes. Para Bromberg, a mente é um paisagem de estados múltiplos e mutativos do self. O enactment no tratamento é a via de acesso a conteúdos dos estados do self que se encontravam previamente sequestrados e inacessíveis. De acordo com Bromberg (2006), Bass (2003), Hoffman (1994) e Mitchel (1997), os analistas, mantendo-se numa abordagem relacional, monitorizam os seu próprios estados do self em constante mutação, procurando pistas acerca daquilo que se está a dar a conhecer nos seus pacientes. O conceito de enactment é também central na abordagem intersubjectiva sistémica. Esta perspectiva foi desenvolvida por Robert Stolorow e outros em finais da década de 1980 e esclarece os aspectos interpessoais da abordagem relacional ao tratamento. Na abordagem intersubjectiva, os enactments são vistos como evoluindo a partir de estados relacionais dissociados, representando uma comunicação interpessoal das experiências neuronais precocemente codificadas e traumas de um paciente. A escola intersubjectiva inspira-se na investigação em neurociências e nas pesquisas sobre comunicação não-verbal em bebés e crianças jovens e seus pais, por exemplo, por Beatrice Beebe e Frank M. Lachmann (2002). Ilany Kogan (2002), uma analista de Israel e membro proeminente do Grupo de

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