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Pesquisa do Trauma de Yale, investigou o enactment em crianças sobreviventes do Holocausto. Ela define o termo como “a compulsão para recriar as experiências dos seus pais nas suas próprias vidas através de actos concretos.” (2002: 251). Esta constitui uma importante demonstração clínica, precisamente de como as narrativas emocionais na vida interna podem estar fora do campo da consciência. Neste processo estão envolvidas a transmissão intergeracional do trauma, a teoria de Freud acerca da comunicação interpessoal inconsciente e - embora Kogan não se lhe refira – a ideia de Hans Leowald (1975) de que a análise mimetiza a Arte Dramática – neste caso, a tragédia. Kogan diferencia aqui o uso que faz do termo Enactment dizendo que, por exemplo em oposição a Jacobs (1986), não se foca espec i ficamente na proximidade interactiva entre paciente e analista. O seu conceito é mais como uma amálgama do acting out e do acting in de Freud (um agir , fora ou dentro do setting ) e da realização ( actualization ) de Sandler (1978) e Eshel (1998). [NT: Traduz-se aqui Acting (no alemão original Agieren ) como agir , de acordo com Laplanche e Pontalis (1971: 36), diferenciando Acting Out e Acting In de acordo com Mijolla-Mellor (2005: 10)]. Kogan usa o termo em conjugação com “um buraco negro” (p. 255), uma lacuna na informação consciente no centro da psique, que porém não está vazia (v. o “circulo vazio” do holocausto de Auernahn e Laub, 1998, e outros autores sobre o trauma severo). Loewald (1975) fala de uma ausência psíquica inerente ao enactment , que pode ser descoberta na análise, catalisando no paciente a diferenciação, o crescimento e a autonomia. Neste aspecto, Kogan é semelhante a Loewald. Kogan ilustra o seu pensamento com exemplos clínicos, como o que se segue: uma mulher, sofrendo anorexia na sua juventude (um enactment da fome extrema sofrida pelos pais), cujo pai ocultara a existência de uma primeira mulher e filho desaparecidos na Shoah , casou aos trinta e um anos com homem que tinha abandonado a mulher e o filho. Embora ela não se apercebesse, o facto de ter casado com este homem era uma encenação ( enactment ) da situação ocorrida com o pai dela. No decurso da análise, a mulher, sem querer, abandonou um gatinho durante um dia, o qual, tendo sido deixando dentro de uma casa de banho excessivamente aquecida, acabou por morrer. Mais tarde ela própria veio a adormecer num quarto onde se deu uma fuga de gás. Nessa altura, ela não tinha ainda conhecimento consciente das experiências por que o seu pai passara. Foi necessário trabalhar a nível da transferência para detectar as várias identificações inconscientes com vítima e com agressor, bem como os diferentes tipos de auto-punição que decorriam dentro dela. Eventualmente, a narrativa familiar pôde vir a ser falada. IV. C. Desenvolvimentos na Europa e Relevância Clínica Os psicanalistas europeus usam o termo enactment e os conceitos relacionados de contratransferência e acting-out quando lidam com os fenómenos clínicos implicados no conceito. Geralmente restringem-se especificamente à situação analítica. Na verdade, muitos analistas europeus falam de acting-out ou de enactment para se referirem ao mesmo facto clínico, usando as duas palavras como sinónimos. Contudo, para alguns analistas, o enactment poder ser considerado como um desenvolvimento do acting-out , com origem no termo freudiano de Agieren (Paz 2007). No entanto, há outros analistas que,
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