Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

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Em “História de uma Neurose Infantil” (1918), Freud referiu-se à dificuldade das crianças pequenas em discriminar entre o que é consciente e o que é inconsciente, e entre o que é uma "realidade " e o que é uma " fantasia ". A dificuldade surge porque “o consciente não adquiriu ainda todas as suas características; está ainda em processo de desenvolvimento” (p.132). Esta é uma nova elaboração sobre a natureza dual da mente em desenvolvimento, que Freud já havia teorizado cerca de três anos antes, ao escrever sobre a comunicação entre os sistemas Cs e Ics: "Uma divisão acentuada e final entre o conteúdo dos dois sistemas não ocorre até à puberdade" (Freud, 1915c, p.223). Em “Uma Criança é Espancada” (1919), pressagiando a teoria dual do instinto, Freud explorou as fantasias inconscientes sadomasoquistas de meninos e meninas de serem espancados pelo pai e mãe. Neste texto chave sobre a formação da fantasia, Freud distinguiu três fases, começando com a criança testemunhando outra criança sendo espancada. É, no entanto, a segunda fase que "é a mais importante e o mais significativa de todas" (p. 232) por duas razões. Por um lado, o masoquismo é visto como uma formação/fase secundária do instinto sádico voltado sobre o self e reprimido no processo. Tal fenômeno está ligado à universal sexualidade infantil inconsciente que está no centro dos fenômenos neuróticos : “sexualidade infantil, que é mantida sob repressão, atua como a principal força motivadora na formação dos sintomas; e a parte essencial do seu conteúdo, o complexo de Édipo, é o complexo nuclear das neuroses” (p. 253) ; e isso torna-se uma fantasia de herança universal: "A herança arcaica do homem forma o núcleo da mente inconsciente; e qualquer que seja a parte daquela herança que tenha que ser deixada para trás ... porque não serve... surge uma vítima do processo de repressão" (pp. 252). Por outro lado, a produção da fantasia infantil só pode ser verificada indiretamente: "Pode-se dizer, porém, que, num certo sentido, jamais teve existência real. Nunca é lembrada; jamais conseguiu tornar-se consciente. É uma construção da análise, mas nem por isso é menos uma necessidade” (p. 232). “Além do Princípio do Prazer” (Freud, 1920) é um texto de transição, principalmente conhecido por adicionar o impulso agressivo ao sexual. Nesta conclusão de sua "teoria dual do instinto”, Freud também elaborou mais sobre a natureza difusa e atemporal do inconsciente da seguinte forma: "Aprendemos que os processos mentais inconscientes são, em si mesmos, “intemporais”. Isso significa, em primeiro lugar, que não são ordenados temporalmente, que o tempo de modo algum os altera e que a ideia de tempo não lhes pode ser aplicada...” (p. 43- 44). Prenunciando seu próximo estágio de desenvolvimento teórico, ele também introduz a noção de ego inconsciente: “É certo que grande parte do ego é, ela própria, inconsciente, e notavelmente aquilo que podemos descrever como seu núcleo; apenas pequena parte dele se acha abrangida pelo termo ‘pré-consciente’" (p.33). Este texto também reformula o conceito do conflito inconsciente : enquanto anteriormente, o conflito era visto como entre os instintos sexuais e os de preservação do ego (Freud, 1911c, 1914b), agora, em 1920, o conflito está entre os impulsos instintivos e as defesas . Embora várias defesas, outras além da, ou como parte da repressão, já foram identificadas no decorrer deste período (Freud, 1908, 1909b, 1911c, 1915a), as defesas não foram sistematizadas, e a repressão foi utilizada como sinônimo de defesa, quando se tratava da conceituação de conflito inconsciente.

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