Dicionário Enciclopédico de Psicanálise da IPA

Retornar ao sumário

Em contraste com a necessidade de assertividade iconoclástica que tendeu a caracterizar importantes segmentos da teorização americana, o legado de Lacan promoveu uma liberdade mental, expressa em um espírito de debate profundo com e na expressão da obra de Freud. Tanto o trabalho de André Green sobre a função do enquadre como um “terceiro” e como um apoio ao funcionamento mental do paciente em sua capacidade de formar um “objeto analítico” (1975) compartilhado, como a introdução por Jean Laplanche da noção de transferência “em oco” (1997, p. 662), mobilizada pela relativa não reatividade do analista, a qual reativa a possibilidade de resolver de novo os enigmas da infância, são exemplos subsequentes. Scarfone (2010) ampliou a reflexão sobre a qualidade da escuta do analista em sua noção de “passibilidade”. Outra corrente forte na evolução da psicanálise francesa que teve influência em Quebec, foi a exploração de elementos não clássicos do setting como apoio para a representação psíquica e para a subjetivação, especialmente em registros infraneuróticos. Por exemplo, o uso de pagamentos simbólicos por Françoise Dolto (1982, 1985) na análise de crianças e, também, Cahn (2002), Roussillon (2013), Donnet (1995) e outros se referindo à função metapsicológica da percepção visual do analista no trabalho analítico face a face. A prática em clínicas psicanalíticas na França e em Quebec também tem sido fonte de inovação “estrutural”, especialmente dos pontos de vista triplos do processo de avaliação (Kestemberg, 2012; Donnet & de M’Uzan, 2012; Lasvergnas, 2012; Reid, 2014), do pagamento de terceiros (Kestemberg, 1985, 1986) e das intervenções alternativas psicanaliticamente orientadas, tal como a expansão específica do enquadre no “psicodrama psicanalítico” por Lebovici e Diatkine (Lebovici, Diatkine e Kestemberg, 1952) e por Gibeault (2005). Outra consequência valiosa, ainda que paradoxal, da teoria e da prática de Lacan foi a investigação crítica feita por Aulagnier (1969) e outros a respeito do potencial para o abuso insidioso no “ setting ” de ensino e treinamento dos institutos psicanalíticos. Por último, entre analistas norte-americanos francófonos, há o conceito adicional de que o setting intensifica o “estabelecimento" da fala (Imbeault, 1997) de forma a tornar sua lógica inconsciente acessível à observação. VI. B. Contribuições e desenvolvimentos específicos da América Latina Na psicanálise latino-americana, Horacio Etchegoyen (1986) e José Bleger (1967) são os autores internacionalmente mais citados em questões relacionadas ao setting . Devido à diversidade cultural e à pluralidade de escolas que influenciaram as instituições psicanalíticas latino-americanas, não existe uma maneira única de abordar o assunto quando se fala dessa região. Há um debate em andamento sobre a necessidade de adaptar a técnica psicanalítica à sociedade contemporânea. Etchegoyen (1986) defende um setting firme, porém flexível, que inclua uma série de variáveis estabelecidas com o objetivo de prover uma estrutura que possibilite o desenrolar do processo analítico. Etchegoyen afirma que o setting representa a realidade presente na situação analítica, e entende tal realidade como o ambiente social que nos circunda. Ele acredita que o processo inspira o setting , mas não deve determiná-lo.

284

Made with FlippingBook - Online catalogs