Nº 51 - Revista Economistas - Março

O padrão cisgênero e heteronormativo da nossa sociedade a impede de valorizar as pessoas apenas por serem pessoas, sem funções, sem adendos, sem adjetivos."

competitivo, hostil e agressivo. Tal ambiente não seria compatível com as tão elevadas características ditas femininas de cooperação, amabilidade e compaixão (basta dar um Google na expressão “características femininas” para verificar). Contudo, o que primeiro deveria ser esclarecido é que a ciência econômica não é apenas matemática e mercado financeiro. É claro que isso não deveria impedir mulheres de escolher a economia como área de estudo e profissão, já que mesmo que assim fosse, temos total possibilidade de exercê-las. Mas a economia é muito mais que modelos econométricos, bolsas de valores e títulos públicos. Enquanto o sistema continuar inculcando nas mulheres, desde meninas, que seus cérebros não são suficientemente lógicos e matemáticos, cabe à própria economia se fazer mais ampla aos olhos do público, de modo a abarcar homens e mulheres com as mais variadas habilidades, para fazer jus ao seu autoconceito de “ciência plural”. Na outra via desta “mão dupla”, entendo também que o fato de a sociedade imputar às mulheres o trabalho de cuidados e as características necessárias à realização desse trabalho, muitas mulheres optam por cursos superiores que coadunem com essas “competências naturais”: enfermagem, pedagogia, serviço social, entre outros. Cursos compostos, senão em sua totalidade, em imensa maioria por mulheres. Essa segregação das ocupações no mercado de trabalho (e dos cursos de graduação) é explicada

pela divisão sexual do trabalho. As autoras Helena Hirata e Danièle Kergoat chamam esse processo de segregação horizontal: existem na sociedade ocupações tidas como masculinas e ocupações tidas como femininas, que seguem uma lógica de atribuição a partir de características e habilidades “inatas” de homens e mulheres. Se o processo de escolha do curso de economia por mulheres é afetado por essas questões sistêmicas que são tão profundas quanto antigas, o problema da permanência no curso já levanta questões diversas. Além das reduzidas políticas de permanência promovidas por universidades públicas do Brasil (baixo número de creches e berçários, auxílio creche com valores defasados e regime especial de aulas incompatível com o tempo de amamentação) que afetam todas as mulheres em todos os cursos de graduação, no caso de ciências econômicas tem-se um adicional: é rara a utilização de mulheres economistas como bibliografia do curso. Raríssimas exceções, a bibliografia dos cursos de ciências econômicas se mostra exclusivamente compostas por autores homens. As poucas mulheres presentes normalmente são Joan Robinson, que escreveu sobre mercados de concorrência imperfeita; e Maria da Conceição Tavares, estudiosa do processo de desenvolvimento econômico brasileiro. Recentemente, foram adicionadas a essa lista Elinor Ostrom e Esther Duflo, as duas primeiras mulheres vencedoras

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