Nº 48 - Regime Fiscal Sustentável

gasto é ilustrativa de como os direitos serão negativamente impactados. As despesas primárias poderão crescer entre 0,6% e 2,5% ao ano, a depender do crescimento da receita. No cenário pessimista de 0,6%, não se acomoda o crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários, que crescem em torno de 1% ao ano. Logo, o corte de gastos discricionários está implícito. Por sua vez, recente trabalho do Made-USP realiza projeções para 2030 e aponta uma redução dos gastos correntes em relação ao PIB em todos os cenários, o que prejudicará o enfrentamento dos desafios da educação, saúde e da proteção social, além de dificultar a manutenção de uma política de valorização do salário mínimo. Dessa forma, a manutenção de um teto aos gastos públicos, com bandas pequenas e condicionados ao aumento das receitas, limita demasiadamente o Estado como promotor de crescimento econômico e direitos sociais. Trazemos duas propostas concretas para a melhora no arcabouço fiscal apresentado ao Congresso Nacional. Primeiro, defendemos que o orçamento total de saúde, educação e políticas de combate à fome, que incluem, mas não se limitam ao novo Bolsa Família, devem ser exceções ao novo teto de despesas. Este movimento não só garantiria o aumento de recursos para estas áreas, afastando as atuais ameaças de desvinculação dos recursos para saúde e educação, como também liberaria recursos para a estruturação das demais políticas de garantia de direitos humanos. Nossa segunda proposta é uma maior flexibilidade para a definição das bandas de metas

de superávit e despesas primárias, devendo elas ser definidas por lei ordinária, não por lei complementar, e conter maior teor anticíclico. O piso deve garantir ao menos o conteúdo mínimo dos direitos (cobrindo, por exemplo, o crescimento vegetativo dos benefícios previdenciários, não permitindo a fome nem a pobreza extrema) e o não retrocesso social (como o nível de gasto já existente na garantia de um direito, como saúde e educação). Para além de mudanças específicas no texto do arcabouço, é urgente que ele se conecte com a pauta tributária e o Plano Plurianual (PPA). Dada a importância de aumento da arrecadação para liberar as despesas primárias e promover investimentos, é fundamental que sejam adotadas medidas para elevação da receita tributária. Para tanto, não é necessário onerar mais os trabalhadores e a classe média, mas sim combater privilégios dos super-ricos e da elite econômica. O aumento da arrecadação tributária deve passar, exemplificativamente, pela: eliminação da isenção do IRPF sobre lucros e dividendos; criação de mais faixas de renda com elevação das alíquotas máxima do IRPF e do ITCMD; instituição do imposto sobre grandes fortunas ou sobre o patrimônio líquido; revisão de incentivos fiscais que podem não estar cumprindo suas finalidades; e revisão de práticas do contencioso administrativo tributário, tal como a manutenção do voto de qualidade do CARF, como já pretendido pelo atual governo, e a inclusão da classe trabalhadora via Confederação entre seus conselheiros. Em relação ao PPA, há muitos anos ele não é, na prática, um instrumento orientador do

Livi Gerbase

Graduada em Relações Internacionais pela UFRGS, e mestre em Economia Política Internacional pela UFRJ. Assessora política do Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc).

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ABRIL A JUNHO DE 2023 | REVISTA ECONOMISTAS |

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