Nº 48 - Regime Fiscal Sustentável

do Sul, como ordem de grandeza, dois terços do bem-estar econômico das famílias resulta de acesso à renda, para realizar pagamentos diretos, e um terço consiste no chamado salário indireto, com o acesso a bens de consumo coletivo, ou bens comuns: precisamos de segurança mas não compramos delegacia, como não compramos hospitais, escolas, um parque no bairro. Nos países que funcionam razoavelmente, a saúde, a educação, a segurança e as condições ambientais adequadas constituem bens e serviços de acesso público, universal e gratuito. É simplesmente mais eficiente, são economias de escala e de organização, e são direitos humanos fundamentais. O problema não está, portanto, nem na falta de recursos, nem na falta de um setor público suficiente. Em um e outro caso, o problema está em quem deles se apropria, e com que fins. Estamos aqui apenas juntando os números. O mais contestado atualmente, pois mais absurdo, consiste na taxa Selic. Com uma dívida da ordem de 7 trilhões de reais, e uma taxa básica de juros de 13,75%, sem entrar no detalhe da dívida bruta e líquida, o fato é que estamos transferindo entre 600 e 700 bilhões de reais do dinheiro público, dos nossos impostos, para detentores de títulos da dívida pública. A maioria da população mal fecha o mês, não os adquire, e paga elevados impostos sobre o consumo. Ou seja, trata-se essencialmente, com a taxa Selic elevada, de uma transferência de recursos dos nossos impostos para os detentores dos títulos, os 10% mais ricos, e em particular o 1% mais rico, e pagos em grande parte pelos mais pobres. Esse dreno da capacidade financeira do Estado

para grupos privados, essencialmente rentistas improdutivos, equivale a aproximadamente quatro vezes o Bolsa Família – que, com R$ 150 bilhões, representa apenas 1,5% do PIB. O dreno pela taxa Selic equivale a mais de 6%. Empobrece os pobres, enriquece os ricos e reduz a capacidade do Estado de prover serviços como saúde, educação, segurança e outras políticas sociais, e também de investir em infraestruturas fundamentais para a produtividade da economia. E gera o déficit das contas públicas. Dizer que é para proteger a população da inflação, quando a economia está estagnada e a inflação no nível da Com uma dívida da or- dem de 7 trilhões de reais, e uma taxa bá- sica de juros de 13,75%, o fato é que estamos transferindo entre 600 e 700 bilhões de reais do dinheiro público, dos nossos impostos, para detentores de títulos da dívida pública."

Graduado em Economia Política pela UNIL, mestre em Economia Social e doutor em Ciências Econômicas pela ESEP/Varsóvia. Professor da PUC-SP. Foi durante cinco anos assessor técnico da ONU e consultor do secretário seral da entidade. Ladislau Dowbor

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ABRIL A JUNHO DE 2023 | REVISTA ECONOMISTAS |

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