Nº 48 - Regime Fiscal Sustentável

EXPEDIENTE

Presidente: Paulo Dantas da Costa Vice-presidente: Eduardo Rodrigues da Silva

Denise Kassama Franco do Amaral Eduardo Reis Araújo Gilson de Lima Garófalo Gustavo Casseb Pessoti Josélia Souza de Brito Júlio Flávio Gameiro Miragaya Noel Leite da Silva Omar Corrêa Mourão Filho

Róridan Penido Duarte Sidney Pascoutto da Rocha Wellington Leonardo da Silva Comissão de Comunicação: Antonio Corrêa de Lacerda (Coordenador) Flávia Vinhaes Santos (Vice- Coordenador) Clovis Benoni Meurer Denise Kassama Franco do Amaral Gilson de Lima Garófalo Júlio Flávio Gameiro Miragaya Lauro Chaves Neto Mônica Beraldo Fabrício Coordenação de Comunicação: Renata Reis – Coordenadora Manoel Castanho – Jornalista Raquel Passos – Assessora imprensa@cofecon.org.br Projeto Gráfico e Editoração: Raquel Passos

Conselheiros efetivos: Paulo Dantas da Costa

Eduardo Rodrigues da Silva Antonio Corrêa de Lacerda Antônio de Pádua Ubirajara e Silva Carlos Alberto Safatle Carlos Roberto de Castro Clovis Benoni Meurer Fernando de Aquino Fonseca Neto Flávia Vinhaes Santos Heric Santos Hossoé João Manoel Gonçalves Barbosa Lauro Chaves Neto Maria Auxiliadora Sobral Feitosa Maria de Fátima Miranda Maurílio Procópio Gomes Mônica Beraldo Fabrício da Silva Teresinha de Jesus Ferreira da Silva Conselheiros suplentes: Ana Cláudia de A. Arruda Laprovitera Carlos Henrique Tibiriçá Miranda Cícero Ivo Moura Bezerra Júnior

Paulo Hermance Paiva Paulo Roberto de Jesus Rogério Vianna Tolfo Róridan Penido Duarte Sérgio da Rocha Bastos Vicente Ferrer Augusto Gonçalves

Conselho Editorial: Antonio Corrêa de Lacerda (Coordenador) Ana Cláudia de A. Arruda Laprovitera Antônio de Pádua Ubirajara e Silva Dércio Garcia Munhoz Eduardo Rodrigues da Silva Fernando de Aquino Fonseca Neto Gilson de Lima Garófalo Heric Santos Hossoé José Luiz Pagnussat Júlio Flávio Gameiro Miragaya Lauro Chaves Neto Luiz Carlos Delorme Prado Maria Cristina de Araújo Paulo Dantas da Costa Roberto Bocaccio Piscitelli

ISSN 2446-9297

As ideias e informações contidas nos artigos publicados nesta revista são de responsa- bilidade de cada autor, não devendo ser interpretadas como endossadas ou refletindo o pensamento do Conselho Federal de Economia.

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Sumário

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Editorial

Um dos temas econômicos mais importantes neste início de mandato presidencial é um novo arcabouço fiscal que venha a substituir o teto de gastos vigente desde 2016. No cumprimento de suas funções, o Conselho Federal de Economia convidou economistas e representantes do Ministério da Fazenda para debater o assunto, em seminário realizado no dia 25 de abril. Cabe recordar que, desde o início das discussões, em 2016, o Cofecon se posicionou de forma contrária ao teto de gastos, apontando que ele reduziria os investimentos – o que se confirmou com o tempo. Assim, entendemos que é necessário substituir esta regra. Porém, da mesma forma, não desconhecemos que o novo arcabouço fiscal atende a uma demanda que tem origem em setores específicos da sociedade, que esperam que o Estado brasileiro mantenha suas contas em dia, de modo a assegurar os pagamentos que são devidos aos credores do próprio Estado. Esta edição da revista Economistas, publicada num momento em que o novo conjunto de regras volta à Câmara dos Deputados depois de ser alterado no Senado, dá sequência ao debate iniciado no seminário. Os artigos aqui publicados trazem informações e análises relevantes sobre o texto que foi proposto, discutindo se atende ou não ao que o Brasil precisa para superar os quase dez anos de estagnação econômica. Também discutimos, nesta edição, o papel do BNDES na promoção do desenvolvimento nacional. Além de financiar projetos e investimentos importantes, o Banco tem discutido estratégias para o País frente aos desafios que se apresentam, como a transição energética, a economia de baixo carbono e a reindustrialização. Por fim, chamamos a atenção para o XXV Congresso Brasileiro de Economia, que será realizado de 7 a 10 de novembro em São Luís, no Maranhão. O evento tem como tema “Um novo futuro: planejamento, desenvolvimento e sustentabilidade”. As inscrições para o evento já estão abertas, por meio do site cbe.cofecon.org. Faça planos de participar dos debates com vários dos mais renomados economistas do País. Boa leitura.

Paulo Dantas da Costa Presidente do Cofecon

Economista. Especialista em Direito Tributário e Administração Financeira Governamental. Trabalhou no Banespa. Foi auditor fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia, tendo ocupado diversos cargos de direção, inclusive o de coordenador de Programação Financeira. Foi presidente e vice-presidente do Corecon-BA, presidente do Cofecon em 2014 e 2015 e vice-presidente da autarquia em 2022. Atualmente, é consultor em diversas empresas públicas e privadas.

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Artigo

Política fiscal e desenvolvimento

Por Maria de Lourdes Rollemberg Mollo

Sem dúvida, com as propostas do governo Lula estamos em melhor situação, do ponto de vista fiscal, do que no governo anterior. Por um lado, a descriminalização da política fiscal era fundamental, ou não se conseguiria nem começar a corrigir os problemas sérios de pobreza, distribuição de renda e enorme precarização dos serviços de educação, saúde e transporte públicos, para falar apenas dos mais visíveis. Por outro, o arcabouço fiscal proposto é muito mais flexível do que o teto de gastos, cujas condições são draconianas e absurdas.

Entretanto, neste artigo discutiremos algumas inconsistências teóricas entre o arcabouço proposto e as bandeiras que elegeram Lula, e tiraremos conclusões sobre a sua sustentabilidade fiscal, social, econômica e política. Do ponto de vista teórico, existem enormes diferenças entre a teoria econômica ortodoxa, que fundamenta o neoliberalismo e inspira as medidas de controles de gastos contidas no arcabouço fiscal proposto, e a teoria econômica heterodoxa, que fundamenta e inspira

Foto: Reprodução/Ricardo Stuckert/PR

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A descriminalização da política fiscal era fundamental, ou não se conseguiria nem começar a corrigir os problemas do nosso país."

o desenvolvimentismo, entendido como política de crescimento com inclusão social e produtiva, que é a espinha dorsal da proposta econômica do Governo Lula. A principal diferença, relacionada com outras, é o papel atribuído à demanda. Para a concepção heterodoxa desenvolvimentista, a demanda (e então os gastos) é muito importante para alavancar o crescimento da economia e, com ele, do emprego e da renda. Para a ortodoxia neoliberal, os gastos inibem o crescimento e aumentam a inflação. Começando pela concepção ortodoxa, os gastos são um problema porque aumentam a dívida e inibem os investimentos privados. Assim, é preciso cortar gastos para pagar rápido a dívida. Trata-se da chamada "fada da confiança", segundo a qual, se o governo gasta e se endivida, a perda da confiança na capacidade de pagamento do governo tira o otimismo dos empresários no quanto à decisão de investir. Mais detalhadamente, como explica Krugman, que cunhou a expressão, temos que: “os investidores, impressionados com o esforço do governo para reduzir seu déficit orçamentário, revisariam suas expectativas sobre empréstimos

futuros do governo e, portanto, sobre o nível futuro das taxas de juros. Como as taxas de juros de longo prazo hoje refletem expectativas sobre taxas futuras, essa expectativa de empréstimos futuros mais baixos pode levar a taxas mais baixas imediatamente. E essas taxas mais baixas podem levar a maiores gastos de investimento imediatamente. Alternativamente, a austeridade agora pode impressionar os consumidores: eles podem olhar para o entusiasmo do governo por cortar e concluir que os impostos futuros não seriam tão altos quanto esperavam. E sua crença em uma carga tributária menor faria com que eles se sentissem mais ricos e gastassem mais, mais uma vez, imediatamente” (Krugman, 2012, p. 101). Para Krugman, isso é implausível. Daí o termo "fada da confiança", porque, por um lado, numa situação ruim em termos de otimismo investidor, é difícil imaginar que haverá uma expectativa otimista no futuro, e forte o suficiente para compensar os efeitos depressivos diretos da austeridade fiscal. Por outro lado, é muito difícil imaginar que, na decisão de gastar em investimento ou consumo, o que importará é o que se espera que o governo fará com a política fiscal, seja quanto a gastos ou tributos.

Possui graduação e mestrado em Economia pela UnB e doutorado em Moeda, Finanças e Bancos pela Universidade de Paris Nanterre. Professora na UnB. Tem publicações e pesquisas nas áreas de economia monetária, política e do turismo. Maria de Lourdes Rollember Mollo

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A visão heterodoxa, muito pelo contrário, acha que os gastos ou a demanda estimulam a decisão de investir, porque aumentam de forma multiplicada renda e emprego na economia. Isto ocorre porque a decisão de investir depende do que o investidor espera ganhar no futuro com o investimento, relativamente ao custo do mesmo, para o qual a taxa de juros é fundamental. Se a renda da economia está crescendo e o desemprego diminuindo, é de se presumir que a rentabilidade esperada seja alta e, para maior número de investidores potenciais, a decisão de investir compense. Uma vez concretizado o investimento, ele aumenta novamente a renda e o emprego de forma multiplicada. Mas como garantir os primeiros investimentos, que forneçam as primeiras decisões privadas de investir, quando a economia não vai bem, quando há muito desemprego e deterioração das condições de renda em geral, como é o caso do Brasil neste momento? Temos duas possibilidades. A rentabilidade pode crescer se houver investimento público, que pode crescer mesmo em fases ruins, porque o Governo não visa lucro e, por isso, não precisa comparar rentabilidade esperada com custo. Uma vez o investimento público realizado, ele gera renda e emprego de forma multiplicada e, com isso, melhora as expectativas de lucro dos empresários que, então, decidem investir. O investimento público é, assim, a primeira e mais efetiva forma de estimular o investimento privado. Aliás, a

história econômica brasileira é testemunha de que o investimento público é responsável pelos vários surtos positivos importantes de investimento privado. Assim, temos outra divergência entre a teoria ortodoxa neoliberal e a teoria heterodoxa desenvolvimentista: a primeira acha que o investimento privado inibe o investimento público, enquanto a última vê o investimento público como essencial para alavancar o investimento privado. A segunda (e mais rápida) forma de estimular o investimento privado é a queda da taxa de juros, porque para um maior número de investidores potenciais a rentabilidade esperada estará acima da taxa de juros (que indica o custo do investimento) e a decisão de investir será tomada. No Brasil, com a independência do Banco Central, ela se constitui um problema. A visão do presidente do Banco Central é ortodoxa, neoliberal. Além de argumentar com a "fada da confiança", ele acredita que baixar a taxa de juros só conseguirá aumentar a inflação. Também aí se tem uma opinião diferente da heterodoxia. Os ortodoxos acham que juros baixos aumentam a demanda e provocam inflação. Isso somente ocorrerá se a produção não crescer também. Os ortodoxos acham que a produção não aumenta de forma duradoura, porque supõem que os investimentos não ampliem a capacidade produtiva da economia. Essa conclusão depende de um pressuposto, chamado neutralidade da moeda,

O investimento público é, assim, a primeira e mais efetiva forma de estimular o investimento privado. Aliás, a história econômica brasileira é testemunha de que o investimento público é responsável pelos vários surtos positivos importantes de investimento privado."

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que não é compartilhado pela heterodoxia desenvolvimentista. Existem vários estudos que negam a neutralidade da moeda, tanto em termos teóricos quanto empíricos, como por exemplo Mollo (2004) e Lopes, Mollo e Colbano (2012). A heterodoxia chama atenção para o fato de que a queda da taxa de juros facilita o crédito e aumenta a demanda, tanto de consumo quanto de investimento. Este último aumenta a produção e a capacidade produtiva. Assim, não apenas os preços não têm que subir proporcionalmente à impulsão monetária, mas a médio prazo as pressões inflacionárias são afastadas, porque se amplia a oferta. Além disso, quando as taxas de juros dos títulos públicos estão elevadas, isso funciona como uma punção dos recursos que, de outra forma, seriam investidos na produção real, porque ao invés das poupanças se dirigirem para fazer o funding dos investimentos (convertendo dívidas de curto prazo, que financiaram as primeiras ações de investimento, em empréstimos de médio e longo prazos compatíveis com os prazos de maturação do investimento), irão, ao contrário, para aplicações líquidas e rentáveis como os títulos públicos. Ninguém duvida de que se a taxa de juros subir muito haverá queda de inflação, porque sem dinheiro não há demanda e os preços caem. Ocorre que isso derruba também o investimento e o consumo, gerando desemprego e queda da renda e do produto e ampliando os problemas de

pobreza e desigualdade com os quais estamos convivendo já há muito tempo. Pior, os efeitos das taxas altas de juros só se apresentam por completo seis ou sete meses depois, tornando difícil para os leigos perceberem que eles estão relacionados às taxas elevadíssimas de juros que temos hoje. Outra razão para a necessidade de que os investimentos públicos cresçam é o seu destino, que não pode ser o mesmo dos investimentos privados, que vão aonde há maior rentabilidade. Investimentos públicos devem ser alocados onde for maior o impacto sobre a alavancagem do crescimento, do emprego e da renda e sobre a eliminação da pobreza e da concentração de renda. Exemplo disso são os investimentos em infraestrutura social, para resolver os problemas sérios de saúde, educação e transporte, por exemplo, e em infraestrutura econômica. Estes investimentos, além de melhorarem a própria infraestrutura e aumentar a renda disponível dos que se beneficiam dela, geram demandas de insumos, força de trabalho, máquinas, equipamentos e matérias primas que, por si só, ampliam e espalham os benefícios do desenvolvimento. No caso da infraestrutura econômica, além de espalharem os benefícios do desenvolvimento via demanda, reduzem custos dos empresários, facilitando a decisão de investir. Apesar do arcabouço fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda ser mais flexível do que o teto de gastos anterior, ele preocupa

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porque contém os gastos, ou seja, a demanda - que, dentro da visão heterodoxa, é o que estimula a produção e o emprego. Assim, o presidente Lula estava equivocado ao reclamar das pressões para cortes de gastos, dizendo que elas se deviam a uma teoria econômica desatualizada. Não se trata de desatualização, mas de teorias distintas e conflitantes: a que fundamenta o neoliberalismo e a que inspira o desenvolvimentismo. Em vista disso, a pior preocupação é: tais cortes podem garantir crescimento baixo e isso piora todas as propostas desenvolvimentistas. O crescimento menor da produção significa crescimento menor do emprego e da renda, dificultando muito a solução urgente da pobreza e do desemprego. A convivência com taxas elevadíssimas de juros em termos reais, como as atuais, amplia a concentração de renda que já era grande, vinha se reduzindo e começou a crescer novamente desde o início da austeridade fiscal. Com a taxa de juros alta, a dívida tenderá a crescer ainda mais, ampliando de novo as pressões para cortes de gastos, enquanto a arrecadação, com um PIB crescendo pouco, também deixa de crescer para fornecer alívio das próprias contas públicas. Assim, não apenas a sustentabilidade fiscal torna-se ameaçada, mas sobretudo se perde sustentabilidade social e econômica, colocando em risco o prometido desenvolvimento que deu suporte político à eleição do presidente Lula. A questão que não quer calar é: por que o mercado gostou do arcabouço fiscal, se ele inibe investimento e crescimento? Porque o mercado que aprovou não é o mercado que produz bens e serviços reais ou contribui para ele com emprego, ou demanda ou oferta de insumos. É o mercado financeiro, e nele não se trata de quem fornece crédito à produção real, mas dos que meramente especulam - ganham com taxas altas de juros da dívida pública ou com mera venda de ativos a preços maiores do que os de compra - sem que os recursos retornem à produção real via investimentos produtivos. Estes são os que, de fato, enriquecem com as políticas de austeridade fiscal. Trata-se, porém, tanto no Brasil como no exterior, do 1% mais rico das populações, a quem o neoliberalismo enriqueceu enormemente. Eles deveriam ter maior alíquota de imposto de renda, porque pagam menos do que os de renda mais baixa, e precisam pagar impostos sobre dividendos, porque não contribuem para o investimento e, como consequência, para o aumento da renda e do emprego e a solução da pobreza e da desigualdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Krugman, P. (2012). End this Depression Now, W. W. Norton & Company:New York/London. Mollo, M. L. R. (2004). Ortodoxia e Heterodoxia Monetárias: a questão da neutralidade da moeda, Revista de Economia Política, vol. 24, nº 3 (95), julho-setembro. Lopes, M. L., Mollo, M. L. R. e Colbano, S. F. (2012). Metas de inflação, regra de Taylor e neutralidade da moeda: uma crítica pós-keynesiana, Revista de Economia Política, vol. 32, nº 2 (127), pp. 282-304, abril-junho.

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Artigo

A urgência de uma política fiscal voltada para o desenvolvimento do Brasil

Por André Paiva Ramos

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O Ministério da Fazenda (MF) apresentou, no dia 30 março de 2023, o projeto do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) para substituir o Teto de Gastos – Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016, que se confirmou inviável. No dia 18 de abril o NAF foi enviado como Projeto de Lei Complementar – PLP nº 93/2023 - ao Congresso Nacional¹, onde está atualmente em tramitação. Esse projeto fundamenta-se na combinação de metas de resultado primário com metas de despesa primária em relação ao crescimento da receita. A proposta do Novo Arcabouço consiste em: metas de resultado primário: definição de um horizonte de metas anuais, considerando a do ano a que se refere e as dos três anos subsequentes. Além disso, elas passam a ter intervalos de tolerância (0,25 ponto percentual do PIB, acima ou abaixo da meta definida). Em relação ao PIB, a proposta do MF é de -0,5% para 2023, 0,0% para 2024, 0,5% para 2025 e 1,0% para 2026, ou seja, um aumento de 0,5 p.p. a cada ano; i) ii) metas de evolução de despesa: crescimento real da despesa limitado a 70% da variação real da receita primária registrada em 12 meses, para o período de 2024 a 2027. A proposta contempla, para o mesmo período, a limitação do crescimento real da despesa primária entre 0,6% a.a. e 2,5% a.a., considerado pelo MF como “elemento anticíclico”, bem como algumas exclusões de gastos dos limites estabelecidos²; investimentos: a proposta define um piso orçamentário, que foi inicialmente anunciado entre R$ 70 e R$ 75 bilhões³, corrigido pela iii)

variação do IPCA . Além disso, caso ocorra um excedente do resultado primário acima do limite superior da meta, a proposta permite a utilização para investimentos até um teto de R$ 25 bilhões para 2025 a 2028, corrigido pela variação acumulada do IPCA 4; e descumprimento de meta de resultado primário: caso o resultado primário fique abaixo do limite inferior da banda da meta, haverá a obrigação de redução do parâmetro de crescimento real das despesas primárias para 50% da variação real de receita apurada. iv) Na apresentação da proposta do Novo Arcabouço Fiscal, o material do MF focou em simulações de cenários para apontar que, até 20265 , último ano do mandato do presidente Lula, haverá a estabilização ou redução da relação dívida/PIB. No entanto, a equipe econômica não apresentou simulações contendo suas projeções de execução de investimentos públicos e de evolução do orçamento público em relação ao PIB. Em comparação com o Teto de Gastos e demais regras fiscais até então vigentes, o NAF apresenta alguns avanços importantes, tais como: i) estabelece um intervalo de crescimento real das despesas públicas; ii) descriminaliza a política fiscal; iii) exclui a obrigatoriedade do contingenciamento; iv) institui bandas para as metas de primário; e v) permite um aumento de investimentos em caso de o resultado exceder o limite superior da meta de resultado primário. Ao combinar a regra de resultado primário com a de despesa em relação ao desempenho da receita, a variável de ajuste do

André Paiva Ramos

Economista e Mestre em Economia pela PUC-SP. Consultor econômico- financeiro na ACLacerda Consultores. Professor na UNICSUL. Doutorando em Economia na UnB. Integra a diretoria do Sindecon-SP. Foi professor de Economia na Unifal-MG e na Unip.

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NAF é a receita. Porém, a arrecadação fiscal é diretamente relacionada ao desempenho do nível de atividade. Assim, o crescimento econômico é essencial para impulsionar a arrecadação fiscal e, consequentemente, a melhoria das contas públicas e a redução da relação dívida/PIB. Como o desempenho da receita não é todo controlado pelo governo e como há uma perspectiva de baixo crescimento econômico no período de 2023 a 2026, a equipe econômica está focando sua estratégia numa reavaliação de desonerações fiscais e de distorções tributárias, assim como no combate às sonegações na tributação de setores ainda desregulamentados. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, há a necessidade de aumento de arrecadações em até R$ 150 bilhões em 2023 para cumprir a meta de resultado primário e os parâmetros definidos6 . Diante desse contexto econômico e das diretrizes apresentadas pelo MF no NAF, de um lado, economistas e analistas econômicos apontam a necessidade de aumento de carga tributária para alcançar as metas apresentadas. Desta forma, ao longo da tramitação no Legislativo, eles tendem a exercer pressão para que a proposta se torne mais restritiva. Por outro lado, economistas também têm apontado que o NAF mantém a tendência de atrofia do Estado, pois, a cada ano, haverá queda das despesas correntes em relação ao PIB, em um contexto em que o orçamento público já está muito comprimido. Ou seja, como as receitas tendem a ter um desempenho mais próximo ao do PIB e as despesas sempre serão definidas em um nível

inferior, a tentativa de um rápido ajuste fiscal é mantida. Porém, em relação ao Teto de Gastos, há uma tendência mais suavizada de redução do tamanho do Estado no PIB, pelo lado dos gastos públicos, ao longo do tempo. Com o retorno dos pisos constitucionais para saúde e educação e com a necessidade de recursos para a previdência social, caso não ocorra um crescimento consistente do PIB e da arrecadação fiscal ao longo dos próximos anos, outras áreas de atuação do Estado terão um aumento de orçamento bem inferior ao parâmetro de 70% do crescimento da receita. Diante disso, integrantes do MF anunciaram que pretendem reavaliar os pisos constitucionais para saúde e educação 7 , o que seria um equívoco e um retrocesso em caso de redução dos recursos direcionados a essas áreas, elevando o risco de subfinanciamento. O MF também definiu um piso orçamentário para investimentos. Porém, da forma como o NAF foi estruturado, não necessariamente esse piso será executado. Dependendo do desempenho das receitas e dos gastos obrigatórios, os investimentos públicos poderão ser inferiores ao piso estabelecido durante a execução orçamentária 8 , reduzindo os impactos efetivos e o efeito multiplicador para impulsionar a economia e para fomentar cadeias produtivas. Desta forma, o arcabouço, além de não proteger concretamente a execução, aponta que não haverá um aumento da participação dos investimentos públicos em relação ao PIB ao longo dos anos, inclusive devido à dificuldade

Como o desempenho da receita não é todo controlado pelo governo e como há uma perspectiva de baixo crescimento econômico no período de 2023 a 2026, a equipe econômica está focando sua estratégia numa reavaliação de desonerações fiscais e de distorções tributárias, assim como no combate às sonegações de setores ainda desregulamentados."

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de haver excedente de resultado primário acima do limite superior da meta até 2026. Ressalte-se que, atualmente, os investimentos públicos estão no menor nível em termos históricos. Com base no crescimento mínimo das despesas em 0,6% e na penalidade em caso de descumprimento da meta de primário, o espaço para a atuação anticíclica constitui outro ponto de atenção. Dependendo do grau de queda no nível de atividades, é possível que esse espaço anticíclico não seja suficiente para conter a piora da economia e para garantir recursos para políticas sociais e para impulsionar o crescimento. Portanto, em termos gerais, o NAF é pró-cíclico. A definição de um regime fiscal sustentável é de significativa importância para o país, pois é uma reforma estrutural que impactará todos os setores da economia e todas as classes sociais ao longo de muitos anos. Porém, o NAF busca ajuste rápido nas contas públicas, com redução da relação dívida/PIB, por meio de uma diminuição do tamanho do Estado ao longo dos anos, só que em um ritmo mais brando. Apesar de apresentar alguma flexibilidade, as metas e parâmetros inicialmente definidos no NAF podem estar muito estreitos, dependendo do desempenho da arrecadação fiscal e do nível de atividades até 2026. Para alcançar as metas apresentadas, o NAF depende de um consistente crescimento da economia com uma redução significativa da taxa básica de juros (taxa Selic), o que parece otimista diante do atual cenário de queda no ritmo da economia e juros reais muito elevados. Além do espaço para aumento de carga tributária estar muito limitado, as revisões de desonerações e de incentivos fiscais podem ser insuficientes e ter grandes dificuldades e entraves políticos e jurídicos, inclusive com aumento de litígios e de contingências tributárias das empresas. Diante da dependência e das adversidades para elevar a arrecadação em um curto período, há um relevante risco de descumprimento das metas estabelecidas e de acionamento das penalidades. Destaque-se que, além de combater distorções tributárias que não resultam em retorno efetivo à sociedade, alternativas para ampliar a arrecadação também consistem no fomento à simplificação, à segurança jurídica e à

progressividade do sistema tributário no âmbito da Reforma Tributária. Com o objetivo de evitar retrocessos e aprimorar o NAF ao longo da tramitação no Congresso Nacional, é de grande importância garantir a descriminalização da política fiscal e a exclusão do contingenciamento de recursos durante a execução orçamentária; desvincular o crescimento real das despesas do desempenho das receitas; e ampliar as bandas para as metas de resultado primário, assim como expandir o espaço para atuação anticíclica. Também é imprescindível a garantia de recursos para viabilizar: i) a política de valorização do salário mínimo em termos reais; ii) as políticas locais de saúde, principalmente para casos de emergências sanitárias; e iii) os programas de transferência de renda, como o novo Bolsa Família, direcionados para a parcela da população em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Com igual relevância, é necessário que ocorra o reestabelecimento de uma tendência de crescimento real anual dos investimentos públicos, inclusive para infraestrutura social, "Para alcançar as metas apre- sentadas, o NAF depende de um consistente crescimento da economia com uma redu- ção significativa da taxa bási- ca de juros (taxa Selic)."

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como, por exemplo, saúde, educação e segurança pública, definindo uma submeta específica para ampliação da sua participação no PIB ao longo dos próximos anos. Comparado com outros países, o Brasil não tem um nível de endividamento em relação ao PIB elevado, possui elevada monta de reservas cambiais e sua dívida é majoritariamente em reais (R$). Além da urgência em avançar em um regime fiscal sustentável, em uma reforma tributária e em correção de distorções fiscais, a principal adversidade para a economia brasileira e para o setor produtivo é a elevada taxa básica de juros e seus impactos restritivos nas condições de crédito aos tomadores finais. A elevada taxa Selic também onera sobremaneira o vultoso custo de financiamento da dívida pública, sendo o principal fator que agrava o déficit fiscal no conceito nominal. Agrega-se a isso o elevado risco de uma crise de crédito à vista, o que tem resultado em piora nas condições de crédito aos tomadores finais e, consequentemente, em aumento de pedidos de recuperação judicial e de insolvência de empresas. Assim, diante da tendência de queda e de controle da inflação e das atuais condições fiscais, a aprovação do NAF não deve ser fator condicionante para o início do ciclo de cortes na taxa Selic, atualmente em 13,75% ao ano. Ressalte-se que a taxa de juro real, descontada a inflação, está acima de 7% a.a. desde 2022, sendo uma das maiores do mundo. Logo, diante da atual piora no desempenho econômico e da vulnerabilidade socioeconômica, um regime fiscal sustentável deve, além de focar na redução da dívida em relação ao PIB e a ancoragem das expectativas de inflação, ter como objetivo a estabilidade macroeconômica, política e institucional, com crescimento e geração de emprego e renda e melhoria das condições de vida da população. É de significativa importância o fortalecimento dos instrumentos e do papel da política fiscal para fomentar o desenvolvimento econômico e social com responsabilidade ambiental.

Diante da atual piora no desempenho econômico e da vulnerabilidade socioeconômica, um regime fiscal sustentável deve, além de focar a redução da dívida em relação ao PIB e a ancoragem das ex- pectativas de inflação, ter como objetivo a esta- bilidade macroeconômica, política e institucional, com crescimento e geração de emprego e renda e melhoria das condições de vida da população."

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1 - Sobre a tramitação do PLP nº 93/2023 ao Congresso Nacional, ver: https://www.camara. leg.br/propostas-legislativas/2357053 2 - “Novo arcabouço fiscal chega ao Congresso com limite para crescimento de gastos.” Fonte: Agência Senado/ Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/ materias/2023/04/19/novo-arcabouco-fiscal-chega-ao-congresso-com-limite-para- crescimento-de-gastos 3 - “Piso do investimento público previsto no arcabouço é o mesmo da LOA de 2023” Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/ultimas/arcabouco-piso-investimento- publico/ 4 - “Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, o piso para investimentos será o valor aprovado no orçamento para este ano, que ele informou estar entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões, corrigido, ao menos, pela inflação.” (https://g1.globo.com/economia/ noticia/2023/03/30/regra-fiscal-tem-piso-para-investimento-que-pode-ser-maior-se-houver- melhoria-nas-contas.ghtml) 5 - “Arcabouço fiscal prevê mínimo de R$ 75 bi para obras, com bônus se contas vierem melhor” – Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/03/regra-fiscal- preve-piso-de-investimentos-proximo-a-r-75-bi.shtml 6 - “Fazenda vai atacar sonegação e taxas apostas eletrônicas” – Disponível em: https:// valor.globo.com/brasil/noticia/2023/04/03/fazenda-vai-atacar-sonegacao-e-taxar-apostas- eletronicas.ghtml. “Haddad anuncia revisão de R$ 150 bi em renúncias fiscais do orçamento” – Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/en/node/1524101 “Tebet diz que entre R$ 120 bi e R$ 130 bi seriam suficientes para zerar o déficit” – Disponível em: https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2023/04/04/tebet-diz-que- entre-r-120-bi-e-r-130-bi-seriam-suficientes-para-zerar-o-deficit.ghtml 7 - “Governo quer reavaliar pisos para gastos com saúde e educação” – Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-03/governo-quer-reavaliar-pisos- para-gastos-com-saude-e-educacao 8 - “Arcabouço permite investimentos abaixo do piso na execução orçamentária e agita esquerda” - Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/analise/ arcabouco-permite-investimentos-abaixo-do-piso-na-execucao-orcamentaria-e-agita- esquerda-15052023

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Artigo

O Regime Fiscal Sustentável

Por Roberto Piscitelli

INTRODUÇÃO

a) ter sido introduzido por uma emenda constitucional, consequentemente difícil de ser modificado; b) prever sua vigência por 20 anos, perpassando, assim, cinco mandatos presidenciais; e c) estabelecer como limite para reajuste das despesas a variação do IPCA, contraindo, na prática, o tamanho e as funções do Estado.

Novo arcabouço fiscal é a denominação utilizada para caracterizar o regime fiscal proposto pelo Governo Federal ao Congresso Nacional. Trata- se de um conjunto de regras abrangente e coordenado. A par de preencher uma lacuna na sinalização do Setor Público para os agentes econômicos, substitui o famigerado Teto de Gastos, que, apesar de sucessivamente estourado, engessava a Administração, e cujas maiores críticas podem ser resumidas em:

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO PROJETO

do aumento real das receitas, que será reduzido quando a meta de resultado primário não for alcançada no ano anterior, justificando-se seu descumprimento e indicando as medidas de correção até 31 de maio do exercício subsequente; g) os percentuais limitadores do crescimento anual real da despesa em relação ao da receita são ajustáveis a cada mandato presidencial – de 2024 a 2027 correspondem a 70% (50% quando o resultado primário for inferior ao intervalo de tolerância da meta); h) há limites inferiores (0,6%) e superiores (2,5%) para o crescimento real das despesas, independentemente da variação da receita, configurando-se como um amortecedor ou elemento anticíclico; i) o conceito de receita considera o período de 12 meses terminados em junho (estimativa mais conservadora), excluindo rubricas mais voláteis como Concessões e Permissões, Exploração de Recursos Naturais, Dividendos e Participações, como garantia de que as despesas, em sua grande maioria permanentes e obrigatórias, sejam financiadas apenas por receitas de caráter nitidamente recorrente, ou seja, também permanentes; j) os programas habitacionais são prioritários, sendo o orçamento de 2023 a base, com correção anual dos investimentos pela inflação, tendo o excesso ao limite superior da meta como fonte adicional de recursos (não computado na apuração da meta ou para o limite de despesa);

A Exposição de Motivos 00052/2023 MF/ MPO, encaminhada ao presidente da República em 17 de abril de 2023, identifica os pontos que justificaram a iniciativa. Em resumo: a) o regime fiscal sustentável é essencial para assegurar a estabilidade macroeconômica e o crescimento socioeconômico; b) políticas sociais e de investimento público não comprometem a responsabilidade fiscal, desde que associem o crescimento das despesas à evolução das receitas; c) o anexo de metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias passa a fixar as metas anuais do resultado primário não apenas para os próximos três, mas quatro exercícios, contendo também o marco fiscal de médio prazo, com projeções para os principais agregados fiscais, reforçando o planejamento; d) as metas anuais de resultado não se constituem mais em simples números, mas em intervalos de tolerância; e) os limites anuais para as despesas de cada Poder e órgão consistem nas respectivas dotações orçamentárias, excluídos os Restos a Pagar e as demais operações que afetam o resultado primário, compatibilizando os limites aos créditos correspondentes, tendo como base a lei orçamentária de 2023; f) as despesas têm como limite sua correção real, com crescimento limitado a um percentual

Economista e contador, mestre em Administração (UnB), especialista em Administração Econômica e Financeira (Universidade de Paris I) e em Política e Admistração Tributária (FGV). Professor na UnB. Consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Roberto Bocaccio Piscitelli

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k) a avaliação atualizada das estimativas de receitas e despesas será feita em março, junho e setembro, mas poderá ser extemporânea, com os contingenciamentos se tornando facultativos, evitando descontinuidades de políticas importantes em razão de frustrações eventuais; l) para o período de 2025 a 2028, fica estabelecido um limite de R$ 25 bilhões, corrigidos pelo IPCA, para as dotações ampliadas por causa do excesso de resultado primário em cada ano; m) até o final de 2023, desconsidera-se o atual Teto de Gastos, aplicando-se os limites individualizados de despesas e suas exceções, de acordo com a Lei nº 14.535/23 (LDO), soman- do-se às despesas primárias pagas os Restos a Pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário. Em suma, a proposta tem a pretensão de assegurar a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazos, mas com flexibilidade suficiente para adequação a diferentes ciclos econômicos e políticos, com vistas à formação de expectativas favoráveis. ANÁLISE A PARTIR DOS PRÓPRIOS ESCLARECIMENTOS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA Em qualquer caso, estará assegurado um crescimento real das despesas: o freio é

dado pela proporção entre o crescimento da receita e o da despesa (atingindo-se ou não a meta de superávit – de 70% ou 50%) ou por um percentual absoluto (de 0,6% a 2,5%), e, ainda, por um teto de R$ 25 bilhões, corrigidos pela inflação, quando o superávit superar o intervalo da meta, em relação às despesas ampliadas em função desse excesso. Como exceções ao critério de correção dos valores das despesas, ficam excluídos dos limites o Fundeb e o Piso da Enfermagem, levando em conta as regras constitucionais (15% da receita corrente líquida em saúde e 18% em educação) e os compromissos sociais. Isso não elimina os rumores em torno do “afrouxamento” desses pisos, até em função de uma aparente contradição entre os limites estabelecidos pela nova lei e os pisos exigidos pela Constituição. Em compensação, as receitas serão “enxugadas”, à medida que não forem consideradas receitas eventuais ou resultantes de eventos não recorrentes. O diferencial com o crescimento da arrecadação funciona como uma espécie de “reserva”, destinada a amortizar a dívida pública, estabilizando a relação dívida/PIB, embora se afirme também que o excedente será usado, parcial ou totalmente, para investimentos públicos. A fixação de uma banda de +/- 0,25% para o resultado primário em todos os anos assegura uma certa flexibilidade, ao mesmo tempo que prevê uma estabilização da relação Dívida Bruta

O sucesso do novo arcabouço está fortemente asso- ciado à aprovação da reforma tributária, inicialmente calcada na tributação indireta, que pretende corrigir o caráter ineficiente do atual sistema tributário."

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do Governo Geral (DBGG)/PIB em 76,54% em 2026, ou 75,05% num cenário mais otimista e viável, com a perspectiva da queda da taxa de juros (e valorização cambial). O sucesso do novo arcabouço está fortemente associado à aprovação da reforma tributária, inicialmente calcada na tributação indireta, que pretende corrigir o caráter ineficiente do atual sistema tributário. É essencial à garantia da sustentabilidade da arrecadação, para enfrentar permanentemente as novas responsabilidades do Estado. Mesmo admitindo que não haverá criação de tributos nem aumento de alíquotas, é impositivo rever renúncias fiscais e mecanismos de imposição, cobrança e execução de débitos. Essas renúncias atingem, hoje, R$ 456 bilhões no Orçamento Geral da União. Representam em torno de 4,29% do PIB. Só o Simples corresponde a 20% desse montante e a Zona Franca de Manaus a 12%, seguidos pelo setor agrícola e os rendimentos isentos e não tributáveis (de pessoas físicas e empresas). O projeto visa conferir um caráter anticíclico à execução do orçamento, consolidando a atuação do Estado como um instrumento de estabilização, amortecendo os efeitos dos ciclos de expansão e retração da economia, dando um rumo continuado e consistente ao crescimento e tornando mais coerente seu papel (re)distributivo.

na previsibilidade. A avaliação do cumprimento das metas é feita hoje – LRF, artigo 9º, § 4º - por quadrimestres: maio, setembro e fevereiro, mas poderá ser feita a qualquer tempo. Os artigos 3º e 4º tratam dos limites individualizados e do mecanismo de crescimento real. O caput do artigo 3º estabelece a fixação de limites de despesas primárias, a partir de 2024, para cada poder e órgão. Para 2024, o marco inicial aplicável a cada Poder ou órgão (§ 1º do artigo 3º) são as dotações referentes às despesas primárias constantes do Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 22, de 2022, que gerou a Lei nº 14.535 (Lei Orçamentária de 2023). De tais valores serão excluídas, na base de cálculo e nos respectivos limites, várias dotações discriminadas no § 3º, corrigidas pelo IPCA (artigo 4º, caput) apurado de janeiro a junho e estimado de julho a dezembro, e acrescidas da variação real da despesa. Para os exercícios posteriores, o limite do exercício anterior será corrigido pelo IPCA, acrescido da variação real, desconsiderando- se a circunstância de o resultado primário ficar abaixo do limite inferior do intervalo de tolerância ou exceder o limite superior do intervalo de tolerância.

PECULIARIDADES DO TEXTO DA PROPOSTA

O § único do artigo 1º enfatiza um aspecto que tem sido muito lembrado pela área econômica do governo: o impacto das renúncias de receita na garantia da sustentabilidade do regime fiscal. Apesar das notórias dificuldades políticas para a revisão das inúmeras renúncias acumuladas ao longo do tempo, bancadas por poderosos lobbies, trata-se de uma condição associada à reforma tributária e à promessa de manutenção do atual patamar da carga. O § 1º do artigo 2º, que trata do anexo de metas fiscais, estabelece um horizonte de 10 anos para a avaliação da trajetória da dívida pública, com ênfase no planejamento (duas vezes e meia o prazo dos planos plurianuais) e

Foto: Marcello Camargo/Agência Brasil

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caput). Este recurso será contabilizado como um acréscimo (artigo 5º, § 2º). A autorização poderá estar contida na própria LOA, mediante abertura de crédito suplementar (artigo 5º, § 3º), não sendo, portanto, aplicável a hipótese de crédito especial (como no caso de novos projetos). No exercício de 2023 os investimentos corresponderão àqueles classificados como tais na LDO/23, além das inversões financeiras, quando se destinarem a programas habitacionais que compreendam a provisão subsidiada ou financiada de unidades habitacionais novas ou usadas em áreas urbanas ou rurais (artigo 6º, § 1º). O mecanismo de variação dos investimentos, a partir da LOA de 2023, será o mesmo aplicável às despesas em geral, isto é, IPCA mais variação real (artigo 6º, § 3º). O Projeto, em sua parte final, traz as Disposições Finais e Transitórias (artigos 7º a 12), sendo em parte alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 7º). O anexo de metas fiscais não se aplica mais à União. O dispositivo integra o projeto de lei de diretrizes orçamentárias, estabelecendo metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública para o exercício a que se referem e para os dois seguintes. O artigo 9º da LRF também não se aplicará mais à União; trata da limitação de empenho e movimentação financeira, revogado apenas o § 5º (artigo 11), que determina que, no prazo de 90 dias após o encerramento de cada semestre, o Banco Central do Brasil apresente, em reunião conjunta das comissões temáticas pertinentes do Congresso Nacional, avaliação do cumprimento dos objetivos e metas das políticas monetária, creditícia e cambial, evidenciando o impacto e o custo fiscal de suas operações e os resultados demonstrados nos balanços. Mas foi introduzido o artigo 9º-A. O caput trata do descumprimento da meta de resultado primário e estabelece essa verificação para os meses de março, junho e setembro, e não se restringe à hipótese de frustração da estimativa das receitas, mencionando também as despesas (embora, no caso, se trate de uma autorização e não de uma estimativa). Incluiu-se a Defensoria Pública (além dos Poderes e do Ministério Público

O projeto da LDO encaminhado no primeiro ano da legislatura (2023) fixará os critérios para o cálculo da variação real da despesa até 2026 (artigo 4º. § 1º), definindo: a)o intervalo mínimo e máximo dessa variação; b)a proporção máxima de variação real da despesa de cada exercício em relação à variação real da receita realizada nos 12 meses anteriores; c)a redução da proporção máxima dessa va- riação, no caso do descumprimento da meta de resultado primário, tendo como referência o limi- te inferior do intervalo de tolerância. A variação real da receita (artigo 4º, § 4º) levará em consideração os valores acumulados nos 12 meses anteriores encerrados em junho do ano anterior ao da respectiva LOA, já descontada a inflação acumulada do período. A exemplo das exclusões de despesas, também a receita primária será deduzida de algumas rubricas (artigo 4º, § 2º). Parte-se do pressuposto de que tais receitas não têm caráter recorrente e poderiam inflar a arrecadação, distorcendo o seu cálculo. Na hipótese de o resultado primário exceder o limite superior de tolerância, o Poder Executivo estará autorizado a ampliar as dotações orçamentárias no valor equivalente a esse acréscimo, e essa ampliação não será computada na meta de resultado primário (artigo 5º, caput), com destinação obrigatória para investimentos (artigo 5º, § 1º), cuja programação, constante da LOA, não será inferior à LOA de 2023 (artigo 6º,

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